terça-feira, 30 de novembro de 2010
Dissertação sobre o entardecer…
Donzelas à beira mar -Dacha
À Dacha,
pelo seu amor à pintura
Todas as linhas
procuram o ponto de fuga
ou será que o horizonte
se diluiu no pôr-do-sol
quando pintavas o mar?
Não sei se as tuas mãos tremeram
e o teu corpo estremeceu de prazer
quando a luz
varreu a tela
e afogou o meu olhar.
E é naquele rio de águas brandas
e naquele mar de prata e de absinto
que eu gostava de me banhar
e responder ao apelo daqueles caminhos
que as tintas avermelharam
ao entardecer…
Alexandre de Castro
------------------------------------------------------------------
A Dacha (Dália Faceira) é uma notável pintora, com uma obra assinalável no seu vasto currículo, e que eu já tive a oportunidade de abordar criticamente no Jornal do Douro, quando de uma exposição dos Antigos Alunos do Liceu de Lamego. Pediu-me para escrever um poema para o incluir no livro com as suas pinturas, a publicar brevemente. É uma honra poder dedicar-lho.
retirado do Alpendre da Lua
domingo, 28 de novembro de 2010
Filho...
Sobreviver-te
é muito duro
com a vantagem
de que a morte
fica assim
muito mais fácil.
Maria José Meireles
é muito duro
com a vantagem
de que a morte
fica assim
muito mais fácil.
Maria José Meireles
Homenagem...
Seguiste o teu funeral
carregando a tua mortalha
no dia do Juízo Final
tardiamente percebeste
que serviste a todos
menos a ti
e que não te era dada
uma segunda oportunidade
dizem que,
pouco antes de morreres
com cancro nos pulmões,
já não dizias
coisa com coisa.
Foi bom conhecer-te.
Maria José Meireles
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
Um Poema para Galileu
Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.
Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria…
Eu sei… eu sei…
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!
Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.
Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar- que disparate, Galileo!
- e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação-
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.
Pois não é evidente, Galileo?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo da praia?
Esta era a inteligência que Deus nos deu.
Estava agora a lembrar-me, Galileo,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo
e tinhas à tua frente
um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se tivesse tornado num perigo
para a Humanidade
e para a Civilização.
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios,
e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.
Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas - parece-me que estou a vê-las,
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e descrevias
para eterna perdição da tua alma.
Ai Galileo!
Mal sabem os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileo Galilei.
Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto incessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa do quadrado dos tempos.
António Gedeão
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.
Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria…
Eu sei… eu sei…
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!
Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.
Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar- que disparate, Galileo!
- e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação-
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.
Pois não é evidente, Galileo?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo da praia?
Esta era a inteligência que Deus nos deu.
Estava agora a lembrar-me, Galileo,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo
e tinhas à tua frente
um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se tivesse tornado num perigo
para a Humanidade
e para a Civilização.
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios,
e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.
Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas - parece-me que estou a vê-las,
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e descrevias
para eterna perdição da tua alma.
Ai Galileo!
Mal sabem os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileo Galilei.
Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto incessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa do quadrado dos tempos.
António Gedeão
Aos Poetas
Somos nós
As humanas cigarras!
Nós,
Desde os tempos de Esopo conhecidos.
Nós,
Preguiçosos insectos perseguidos.
Somos nós os ridículos comparsas
Da fábula burguesa da formiga.
Nós, a tribo faminta de ciganos
Que se abriga
Ao luar.
Nós, que nunca passamos
A passar!...
Somos nós, e só nós podemos ter
Asas sonoras,
Asas que em certas horas
Palpitam,
Asas que morrem, mas que ressuscitam
Da sepultura!
E que da planura
Da seara
Erguem a um campo de maior altura
A mão que só altura semeara.
Por isso a vós, Poetas, eu levanto
A taça fraternal deste meu canto,
E bebo em vossa honra o doce vinho
Da amizade e da paz!
Vinho que não é meu,
mas sim do mosto que a beleza traz!
E vos digo e conjuro que canteis!
Que sejais menestreis
De uma gesta de amor universal!
Duma epopeia que não tenha reis,
Mas homens de tamanho natural!
Homens de toda a terra sem fronteiras!
De todos os feitios e maneiras,
Da cor que o sol lhes deu à flor da pele!
Crias de Adão e Eva verdadeiras!
Homens da torre de Babel!
Homens do dia a dia
Que levantem paredes de ilusão!
Homens de pés no chão,
Que se calcem de sonho e de poesia
Pela graça infantil da vossa mão!
Miguel Torga
As humanas cigarras!
Nós,
Desde os tempos de Esopo conhecidos.
Nós,
Preguiçosos insectos perseguidos.
Somos nós os ridículos comparsas
Da fábula burguesa da formiga.
Nós, a tribo faminta de ciganos
Que se abriga
Ao luar.
Nós, que nunca passamos
A passar!...
Somos nós, e só nós podemos ter
Asas sonoras,
Asas que em certas horas
Palpitam,
Asas que morrem, mas que ressuscitam
Da sepultura!
E que da planura
Da seara
Erguem a um campo de maior altura
A mão que só altura semeara.
Por isso a vós, Poetas, eu levanto
A taça fraternal deste meu canto,
E bebo em vossa honra o doce vinho
Da amizade e da paz!
Vinho que não é meu,
mas sim do mosto que a beleza traz!
E vos digo e conjuro que canteis!
Que sejais menestreis
De uma gesta de amor universal!
Duma epopeia que não tenha reis,
Mas homens de tamanho natural!
Homens de toda a terra sem fronteiras!
De todos os feitios e maneiras,
Da cor que o sol lhes deu à flor da pele!
Crias de Adão e Eva verdadeiras!
Homens da torre de Babel!
Homens do dia a dia
Que levantem paredes de ilusão!
Homens de pés no chão,
Que se calcem de sonho e de poesia
Pela graça infantil da vossa mão!
Miguel Torga
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
Pensamento do dia...
Poesia não é para descrever é para descobrir.
Manoel de Barros
Manoel de Barros
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Manoel de Barros,
Pensamento
A hora da partida soa quando
Escurece o jardim e o vento passa,
Estala o chão e as portas batem, quando
A noite cada nó em si deslaça.
A hora da partida soa quando
as árvores parecem inspiradas
Como se tudo nelas germinasse.
Soa quando no fundo dos espelhos
Me é estranha e longínqua a minha face
E de mim se desprende a minha vida.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Escurece o jardim e o vento passa,
Estala o chão e as portas batem, quando
A noite cada nó em si deslaça.
A hora da partida soa quando
as árvores parecem inspiradas
Como se tudo nelas germinasse.
Soa quando no fundo dos espelhos
Me é estranha e longínqua a minha face
E de mim se desprende a minha vida.
Sophia de Mello Breyner Andresen
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
terça-feira, 23 de novembro de 2010
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
Mais um dia sem o teu inebriante perfume,
passado ao sabor do relento,
olhando o céu de cor viva,
perguntando pelos teus passos ao vento.
Sofro aqui fazendo tempo,
procurando-te e encontrando-te a cada segundo,
no topo do meu coração,
bem no topo deste delicioso mundo.
Sem ti, ele não brilharia,
sem ti, ele cairia aos pedaços,
sem ti, ele não radiava energia sem fim,
enches o mundo de fraternos abraços.
Dás-lhe um encantamento especial,
num transe apaixonante recheado de chocolate,
recheado do doce sabor do teu mundo,
enfeitas o nosso mundo de ouro de alto quilate.
Trazes nas tuas palavras a paz,
trazes a alegria,
trazes a paixão,
enches o mundo com a tua harmonia.
Ler mais: http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=57294#ixzz15elZoMwW
passado ao sabor do relento,
olhando o céu de cor viva,
perguntando pelos teus passos ao vento.
Sofro aqui fazendo tempo,
procurando-te e encontrando-te a cada segundo,
no topo do meu coração,
bem no topo deste delicioso mundo.
Sem ti, ele não brilharia,
sem ti, ele cairia aos pedaços,
sem ti, ele não radiava energia sem fim,
enches o mundo de fraternos abraços.
Dás-lhe um encantamento especial,
num transe apaixonante recheado de chocolate,
recheado do doce sabor do teu mundo,
enfeitas o nosso mundo de ouro de alto quilate.
Trazes nas tuas palavras a paz,
trazes a alegria,
trazes a paixão,
enches o mundo com a tua harmonia.
Ler mais: http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=57294#ixzz15elZoMwW
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Poema que um Aluno partilhou comigo hoje...
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
OMEGA electronic
No tempo dos relógios de sol
sempre havia de vez em quando
manhãs de nevoeiro!
Jorge de Sousa Braga,
O Poeta Nu [poesia reunida]
ASSÍRIO & ALVIM, JUNHO 2007
sempre havia de vez em quando
manhãs de nevoeiro!
Jorge de Sousa Braga,
O Poeta Nu [poesia reunida]
ASSÍRIO & ALVIM, JUNHO 2007
POEMA DE AMOR
Esta noite sonhei oferecer-te o anel de Saturno
e quase ia morrendo com o receio de que não
te coubesse no dedo
Jorge de Sousa Braga,
O Poeta Nu [poesia reunida]
ASSÍRIO & ALVIM, JUNHO 2007
e quase ia morrendo com o receio de que não
te coubesse no dedo
Jorge de Sousa Braga,
O Poeta Nu [poesia reunida]
ASSÍRIO & ALVIM, JUNHO 2007
SOBRE A VíRGULA
Vírgula pode ser uma pausa... ou não.
Não, espere.
Não espere...
Ela pode sumir com seu dinheiro.
23,4.
2,34.
Pode criar heróis...
Isso só, ele resolve.
Isso só ele resolve.
Ela pode ser a solução.
Vamos perder, nada foi resolvido.
Vamos perder nada, foi resolvido.
A vírgula muda uma opinião.
Não queremos saber.
Não, queremos saber.
A vírgula pode condenar ou salvar.
Não tenha clemência!
Não, tenha clemência!
Uma vírgula muda tudo.
José Carlos Gueta
Não, espere.
Não espere...
Ela pode sumir com seu dinheiro.
23,4.
2,34.
Pode criar heróis...
Isso só, ele resolve.
Isso só ele resolve.
Ela pode ser a solução.
Vamos perder, nada foi resolvido.
Vamos perder nada, foi resolvido.
A vírgula muda uma opinião.
Não queremos saber.
Não, queremos saber.
A vírgula pode condenar ou salvar.
Não tenha clemência!
Não, tenha clemência!
Uma vírgula muda tudo.
José Carlos Gueta
terça-feira, 16 de novembro de 2010
Sempre...
Ela
sempre foi ninguém
ele
sempre foi ninguém
um livro
sempre foi nada
ninguém deu nada
a ninguém
sempre.
Maria José Meireles
sempre foi ninguém
ele
sempre foi ninguém
um livro
sempre foi nada
ninguém deu nada
a ninguém
sempre.
Maria José Meireles
segunda-feira, 15 de novembro de 2010
Improviso para perguntar afinal o teu nome...
Tanto ou tão breve destino
entre as minhas palavras
e o teu olhar tão fiel
é aqui
todas as noites
neste bar de desterrados
que nos cruzamos
e por nenhuma porta
entramos ou saímos
entre comungarmos
o arbítrio das sombras
numa tela com a forma
de uma cama
ou de uma mesa
sobre a qual sempre adormecêssemos
antes mesmo de nos cuidarmos
a poesia tem as fronteiras exactas
deste silêncio compartilhado
encontramo-nos aqui
como em tempo algum
e seremos sempre felizes
assim.
Ademar
entre as minhas palavras
e o teu olhar tão fiel
é aqui
todas as noites
neste bar de desterrados
que nos cruzamos
e por nenhuma porta
entramos ou saímos
entre comungarmos
o arbítrio das sombras
numa tela com a forma
de uma cama
ou de uma mesa
sobre a qual sempre adormecêssemos
antes mesmo de nos cuidarmos
a poesia tem as fronteiras exactas
deste silêncio compartilhado
encontramo-nos aqui
como em tempo algum
e seremos sempre felizes
assim.
Ademar
O teu riso
Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.
Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.
A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.
Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.
À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.
Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.
Pablo Neruda
domingo, 14 de novembro de 2010
Nessa casona, hoje, um homem espera a Morte.
Eu. Nem homem sou.
Sou é um des-homem,
de punhos atados,
de dentes cerrados,
de pernas peadas,
aos pés do Senhor!
Quanta coisa boa!
Mas devo respeitar o espaço, e só tenho tempo de falar de Emilinha,
uma gostosura de poema e de figura:
Emilinha não era desse mundo.
Ou era, demais da conta.
Safada de nascença.
Nela havia o sumo de dez,
de cem mulheres
muito fêmeas.
Tanto que extravasava,
sopitava em cheiros e barbas.
Suspiros e choros.
Era uma força viva,
selvagem como esses bichos silvestres.
Emilinha me fez homem
como jamais fui antes nem depois.
parecia até feitiço.
Eu e ela inesgotáveis...
Vi por fim,
me convenci,
de que Lea me vencia,
me amofinava.
Era mulher demais para um homem só.
Eu não podia com a mulinha!.
DARCY RIBEIRO
Eu. Nem homem sou.
Sou é um des-homem,
de punhos atados,
de dentes cerrados,
de pernas peadas,
aos pés do Senhor!
Quanta coisa boa!
Mas devo respeitar o espaço, e só tenho tempo de falar de Emilinha,
uma gostosura de poema e de figura:
Emilinha não era desse mundo.
Ou era, demais da conta.
Safada de nascença.
Nela havia o sumo de dez,
de cem mulheres
muito fêmeas.
Tanto que extravasava,
sopitava em cheiros e barbas.
Suspiros e choros.
Era uma força viva,
selvagem como esses bichos silvestres.
Emilinha me fez homem
como jamais fui antes nem depois.
parecia até feitiço.
Eu e ela inesgotáveis...
Vi por fim,
me convenci,
de que Lea me vencia,
me amofinava.
Era mulher demais para um homem só.
Eu não podia com a mulinha!.
DARCY RIBEIRO
sábado, 13 de novembro de 2010
Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.
DARCY RIBEIRO
Comunicado
Na frente ocidental nada de novo.
O povo
Continua a resistir.
Sem ninguém que lhe valha,
Geme e trabalha
Até cair.
Miguel Torga
O povo
Continua a resistir.
Sem ninguém que lhe valha,
Geme e trabalha
Até cair.
Miguel Torga
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
Ariane
Ariane é um navio.
Tem mastros, velas e bandeira à proa,
E chegou num dia branco, frio,
A este rio Tejo de Lisboa.
Carregado de Sonho, fundeou
Dentro da claridade destas grades...
Cisne de todos, que se foi, voltou
Só para os olhos de quem tem saudades...
Foram duas fragatas ver quem era
Um tal milagre assim: era um navio
Que se balança ali à minha espera
Entre as gaivotas que se dão no rio.
Mas eu é que não pude ainda por meus passos
Sair desta prisão em corpo inteiro,
E levantar âncora, e cair nos braços
De Ariane, o veleiro.
Miguel Torga
Tem mastros, velas e bandeira à proa,
E chegou num dia branco, frio,
A este rio Tejo de Lisboa.
Carregado de Sonho, fundeou
Dentro da claridade destas grades...
Cisne de todos, que se foi, voltou
Só para os olhos de quem tem saudades...
Foram duas fragatas ver quem era
Um tal milagre assim: era um navio
Que se balança ali à minha espera
Entre as gaivotas que se dão no rio.
Mas eu é que não pude ainda por meus passos
Sair desta prisão em corpo inteiro,
E levantar âncora, e cair nos braços
De Ariane, o veleiro.
Miguel Torga
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
Improviso para dizer apenas duas frases...
Perguntas-me se sou famoso
e eu respondo
só eu me conheço
nada do que digam
ou pensem de mim
acrescentará substância
ao que não cheguei a ser.
Ademar
e eu respondo
só eu me conheço
nada do que digam
ou pensem de mim
acrescentará substância
ao que não cheguei a ser.
Ademar
BRINQUEDO
Foi um sonho que eu tive:
Era uma grande estrela de papel,
Um cordel
E um menino de bibe.
O menino tinha lançado a estrela
Com ar de quem semeia uma ilusão;
E a estrela ia subindo, azul e amarela,
Presa pelo cordel à sua mão.
Mas tão alto subiu
Que deixou de ser estrela de papel.
E o menino, ao vê-la assim, sorriu
E cortou-lhe o cordel.
Miguel Torga
Diário, vol.II, in Poesia Completa, Lisboa
2ª ed. Publicações D. Quixote, 2002
Era uma grande estrela de papel,
Um cordel
E um menino de bibe.
O menino tinha lançado a estrela
Com ar de quem semeia uma ilusão;
E a estrela ia subindo, azul e amarela,
Presa pelo cordel à sua mão.
Mas tão alto subiu
Que deixou de ser estrela de papel.
E o menino, ao vê-la assim, sorriu
E cortou-lhe o cordel.
Miguel Torga
Diário, vol.II, in Poesia Completa, Lisboa
2ª ed. Publicações D. Quixote, 2002
terça-feira, 9 de novembro de 2010
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
Serenidade...
Hoje
vou visitar-te
pousarei minha cabeça
no teu colo
vamos rir juntos
de toda a estupidez
e da vaidade
instaladas
alivio a minha solidão
e as minhas dores
de alma
depois regresso
sem ti
ao meu inferno.
Maria José Meireles
vou visitar-te
pousarei minha cabeça
no teu colo
vamos rir juntos
de toda a estupidez
e da vaidade
instaladas
alivio a minha solidão
e as minhas dores
de alma
depois regresso
sem ti
ao meu inferno.
Maria José Meireles
domingo, 7 de novembro de 2010
sábado, 6 de novembro de 2010
O autor, pelo próprio
(...)
"Depois de todas as divergências que falhou, sobra-lhe uma certeza introspectiva: morrerá de inibições."
Ademar
publicado em "Descansando do Futuro (Reserva de Intimidade)", Asa, 2003
"Depois de todas as divergências que falhou, sobra-lhe uma certeza introspectiva: morrerá de inibições."
Ademar
publicado em "Descansando do Futuro (Reserva de Intimidade)", Asa, 2003
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
MAR
Não te espantes com máquinas,
com invenções de última hora.
Inacreditável é a quantidade de elementos
que ainda não obedecem aos homens.
Gonçalo M. Tavares
com invenções de última hora.
Inacreditável é a quantidade de elementos
que ainda não obedecem aos homens.
Gonçalo M. Tavares
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Fernando Pessoa
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Fernando Pessoa
terça-feira, 2 de novembro de 2010
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
A um poeta
Tu, que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno,
Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno,
Afuguentou as larvas tumulares...
Para surgir do seio desses mares,
Um mundo novo espera só um aceno...
Escuta! é a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem! são canções...
Mas de guerra... e são vozes de rebate!
Ergue-te pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!
Antero de Quental
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno,
Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno,
Afuguentou as larvas tumulares...
Para surgir do seio desses mares,
Um mundo novo espera só um aceno...
Escuta! é a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem! são canções...
Mas de guerra... e são vozes de rebate!
Ergue-te pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!
Antero de Quental
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