terça-feira, 30 de dezembro de 2014

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

domingo, 28 de dezembro de 2014

Pensamento do dia...

O prazer engravida, o sofrimento faz parir.

William Blake

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Quando um ramo de doze badaladas
se espalhava nos móveis e tu vinhas
solstício de mel pelas escadas
de um sentimento com nozes e com pinhas, 

menino eras de lenha e crepitavas
porque do fogo o nome antigo tinhas
e em sua eternidade colocavas
o que a infância pedia às andorinhas.

Depois nas folhas secas te envolvias
de trezentos e muitos lerdos dias
e eras um sol na sombra flagelado.

O fel que por nós bebes te liberta
e no manso natal que te conserta
só tu ficaste a ti acostumado.

Natália Correia

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Quase menino...

Ontem
vi-te
quase menino
quase jesus
quase moisés
parar o trânsito
para que o teu povo
eleito
fizesse a travessia
junto ao Vasco da Gama
com a ajuda da PJ.



Maria José Meireles

domingo, 14 de dezembro de 2014

Coldplay - True Love (Official video)

Morrer...

Há quem morra
de enfarte
há quem morra
do pulmão
há até quem se mate
mas morrer de medo?
Não!



Maria José Meireles

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Impossível...

Quando
o diabo
e a deusa
se apaixonaram
o impossível
acabou. 


Maria José Meireles

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Feliz Natal!


Vera Raquel Baptista Meireles

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Sei!

Sei
Onde te levo
Sei que estamos 
Na mesma direção.


MJMigueis

Pronta...

Não sei
onde me levas
apenas
estou pronta.



Maria José Meireles

sábado, 6 de dezembro de 2014

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Pensamento do dia...

As tuas palavras ressuscitam-me.

Maria José Meireles

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Pensamento do dia...

Se não puderes ser o Sol, sê uma estrela. Não é pelo tamanho que terás êxito ou fracasso...Mas sê o melhor no que quer que sejas.

Pablo Neruda

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Um vídeo deslumbrante, que foi sugerido ao Ademar pelo Rubem…


Esta é uma impressionante dança chamada de “Guan Yin das Mil Mãos”, que está fazendo um enorme sucesso em vários países.
Considerando a exigência de coordenação absoluta, a apresentação já seria de “deixar cair o queixo”, mesmo que todos os 21 dançarinos não fossem surdos-mudos.
Considerando a sua deficiência, os dançarinos se valem de sinais feitos pelos treinadores nos quatro cantos do palco..
Sua primeira apresentação maior foi em Atenas, na cerimónia de encerramento das paraolimpíadas de 2004. A dançarina-líder é Tai Lihua, de 29 anos.
O vídeo foi gravado em Beijing, durante o Festival da Primavera, este ano de 2009.

Ademar, Rubem e Manoel não morreram… e, se morreram, isso não tem importância alguma…

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Sexto sentido...

Se não te cheiro
nem te toco
nem te ouço
nem te vejo
nem te digo
porque te penso?

Maria José Meireles

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

terça-feira, 11 de novembro de 2014

A MENINA TRANSPARENTE



Eu apareço disfarçada de todas as coisas . . .
Posso ser vista no por-do-sol ou no nascer dele.
Eu posso estar através da janela,
Posso ser vista na asa da gaivota
Ou pelo ar que passa por ela.
Muitos me vêem no mar,
Outros na comida da panela.
Posso aparecer para qualquer ser,
Desde ele pequenininho;
Ficar com ele direitinho,
Se tratar de mim como eu merecer.
Uns me pegam pra criar em livro,
Outros me botam num vestido lindo,
Cheio de notas musicais:
Fico morando dentro da música.
Tenho muitas mães e digo mais:
Sou uma criança com muitos pais.
Tem gente que diz que eu nasço dentro da pessoa,
E faço ela olhar diferente,
Pra tudo que todos olham,
Mas não notam.
Às vezes apareço tão transparente e de mansinho
Que mais pareço um Gasparzinho.
Tem gente que nunca percebe que estou ali,
Não cuida de mim,
Não me exercita.
Eu fico como um laço de fita
Que nunca teve um rabo de cavalo dentro.
Eu fico como uma planta de dentro da casa
Que ninguém molha, conversa nem nada.
Quem me adivinha logo dentro dele,
Quem percebe que estou ali diariamente,
Quem anda comigo e com o meu gingado,
Fica com o coração inteligente
E com o pensamento emocionado.
A esse que eu dou a mão,
E vou com esse para todo lado:
Aniversários, passeios, sono, cama, biblioteca, casa, escola;
Estou com esse a toda hora.
Tem gente que me vê muito na beleza da flor,
No mato, na primavera e no calor.
É que ando muito mesmo.
Eu posso até voar!
Por isso que me vêem no céu, nas estrelas, nos planetas
E nas conversas das crianças.
Quem anda comigo tem muita esperança.
Todo mundo que me tem
Pode me usar e me espalhar por aí.
Quem gosta muito de mim,
Depois que me conhece,
Junta gente em volta como se eu fosse uma festa.
Me usam até em palestra!
Me acordam lá do papel.
Ih! Eu tinha esquecido de dizer
Que, quando a pessoa começa a me escrever,
Eu fico morando no papel.
Toda vez que alguém me lê para dentro eu passo para dentro dele.
Toda vez que alguém me lê para fora, em voz alta,
Como se eu fosse uma música,
Eu passo para dentro de todo mundo que me vê;
Eu posso trazer alento a todo mundo que me escuta.
Tem gente que me pega só numa fase,
Como se eu fosse uma gripe boa,
E como se dessa boa gripe ficasse gripada.
Quero dizer . . .
Eu dou muito no coração de gente apaixonada.
Minha palavra é do sexo feminino,
Brinco com menino e com menina,
Fico com a pessoa até ela ficar velhinha,
Inclusive de bengala;
E depois que ela morre,
Faço ela ficar viva
Toda vez que por mim é lembrada.
Às vezes eu sou sapeca,
Às vezes eu fico quieta,
Mas todo mundo que olha através de mim é poeta.
Veja se eu sou esta que fala dentro de você.
Eu não posso escrever porque não sou poeta:
Sou a poesia!
Tente agora fazer um verso.
Se eu fosse você, faria.


Elisa Lucinda

terça-feira, 4 de novembro de 2014

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Aquilo que o coração ama fica eterno


Jalan Jalan - Lotus

Programa Extra-classe - Rubem Alves

Improviso em forma de tango…

Movimentam-se na tela
como num palco maravilhoso
que só as nuvens adivinhassem
caminham dançam esvoaçam
entram e saem da tela
como de uma imagem em que nunca coubessem
e escrevem em todas as línguas
no regresso de todas as viagens
as mulheres a que me abandono
têm uma tela dentro delas
e são ainda mais perfeitas
do que o mistério que as conduz.

Ademar

sábado, 1 de novembro de 2014

Ameno-Era

Em memória de Ana Paula Costa...

A morte não é nada.
Eu somente passei
para o outro lado do Caminho.

Eu sou eu, vocês são vocês.
O que eu era para vocês,
eu continuarei sendo.

Me dêem o nome
que vocês sempre me deram,
falem comigo
como vocês sempre fizeram.

Vocês continuam vivendo
no mundo das criaturas,
eu estou vivendo
no mundo do Criador.

Não utilizem um tom solene
ou triste, continuem a rir
daquilo que nos fazia rir juntos.

Rezem, sorriam, pensem em mim.
Rezem por mim.

Que meu nome seja pronunciado
como sempre foi,
sem ênfase de nenhum tipo.
Sem nenhum traço de sombra
ou tristeza.

A vida significa tudo
o que ela sempre significou,
o fio não foi cortado.
Porque eu estaria fora
de seus pensamentos,
agora que estou apenas fora
de suas vistas?

Eu não estou longe,
apenas estou
do outro lado do Caminho...

Você que aí ficou, siga em frente,
a vida continua, linda e bela
como sempre foi.

Santo Agostinho

Samba Pa Ti - Santana (Live in Mexico)

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Amigos Loucos e Sérios



Meus amigos são todos assim: metade loucura, outra metade santidade.Escolho-os não pela pele, mas pela pupila, que tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Louco que senta e espera a chegada da lua cheia.
Quero-os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela cara lavada e pela alma exposta.
Não quero só o ombro ou o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Pena, não tenho nem de mim mesmo, e risada, só ofereço ao acaso.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos, nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice.
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto, e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou, pois vendo-os loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a normalidade é uma ilusão imbecil e estéril.           

Marcos Lara Resende

domingo, 26 de outubro de 2014

Há ideias e modos de pensar
que prejudicam muito mais a saúde
do que o tabaco

Ademar Santos

publicado em "Descansando do Futuro (Reserva de Intimidade)", Asa, 2003

sábado, 25 de outubro de 2014

Compromisso de peso













Hoje
lembrei momentos
bons
e instalou-se um peso
cheio de vazio.



Leisheng

domingo, 19 de outubro de 2014

Pensamento do dia...

Acaricia-me as sílabas e beija-me os poemas.



Orquídea Abreu

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Pensamento do dia...

Nobel da Paz

Pensamento do dia...

Continua a bater à porta e a alegria que há dentro de ti, acabará por abrir uma janela e espreitar para ver quem é.

Emily Dickinson

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Pensamento do dia...

Costumamos dizer que amigos de verdade são os que estão ao seu lado em momentos difíceis... Mas não!
Amigos verdadeiros são os que suportam a tua felicidade!
Porque em um momento difícil qualquer um se aproxima de você.
Mas o seu inimigo jamais suportaria a sua felicidade!!

Padre Fábio de Mello

domingo, 12 de outubro de 2014

Documentario Vinícius de Morais (Completo)

Ser seu amigo Vinícius de Moraes



Obrigada Patrícia, és linda!

Por serem obrigados...

Hoje percebo
que os canalhas não mentem
apenas prometem
o impossível
por serem obrigados...
Depois só lhes resta
esquecer o que prometeram
e a vida continua...

Maria José Meireles

sábado, 11 de outubro de 2014

domingo, 5 de outubro de 2014

Improviso para viola d’arco e superego…

Nunca até hoje
me apaixonara por um nariz
mas a verdade é que há
irrelevâncias perfeitas
e o objecto do desejo pode ser mesmo
uma irrelevância
um nariz
quando fui menos velho
não me deixava seduzir
senão pela tela inteira
depois passei a usar óculos
para ver ao longe
e fui perdendo
a noção de proximidade
digo a visão
agora
deve ser da idade
já só atendo aos pormenores
e dou comigo até
a erotizar o nariz
o teu nariz
só depois
confesso
reparei na aliança
como o tempo da paixão
ou do desejo
pode ser tão breve.

Ademar

Escrever - Por Luís Serguilha

sábado, 4 de outubro de 2014

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Agora?!...

Tracei todos
os cenários
e sofri
com os piores
vens então
em minha defesa
tardiamente.



Maria José Meireles

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Ninguém come pedras


I

Era uma vez um rapaz muito estranho que bebia água. De todas as bebidas coloridas que há no mundo, logo teve que escolher água. 
Experimentou todas as cores. Tentou beber o arco-íris inteiro, mas logo se empanturrou. 
Um dia, nas suas andanças de menino, encontrou um homem bem velhinho. Tão velhinho que parecia transparente. 
- Porque és assim? - o rapaz lhe perguntou. 
- Assim como? – o velho ripostou. 
- Tão transparente... – disse o rapaz. 
- É de estar gasto... é de ter visto tantas coisas transparentes... transformei-me numa delas. 
- Eu também gosto de coisas transparentes! Gosto de copos de água. – afirmou o menino. 
- Copos de água? Porquê? O que fazes tu com eles? – questionou o velhote. 
- Bebo, espreito, verto, engulo, vejo sempre para o outro lado! Vejo sempre coisas diferentes. Às vezes vejo grande, às vezes vejo pequeno, umas vejo magro, outras, gordo. É a melhor brincadeira do mundo.
II 

Na caixa do correio o menino encontrou um envelope bem gordo. Dentro dizia que o velhinho já não estava mais por cá. Tinha-se esfumado no ar e já não havia vestígios da sua existência. Tinha-lhe deixado umas pedras transparentes e um papel amarelo com umas letras bonitas onde dizia que aquelas e muitas outras pedras transparentes que vinham de uma gruta da montanha eram dele. Podia fazer o que quisesse com elas. 
Logo muitos espertalhões, de todos os países do mundo, apareceram com ideias maravilhosas de ganhar muito dinheiro e, com esse dinheiro, comprar muitos objetos ainda mais maravilhosos. Parecia que aquelas pedras eram muito valiosas... 
Para o rapaz muito estranho, não havia nada de especial para pensar. Depois de muitas propostas ouvir, de muitos sábios atender e de muitas ideias considerar, regressou ao seu coração: “Quero continuar a brincar!” – pensou. 
Sabia jogar um jogo e tinha que experimentar! 
Propôs aos sábios a sua ideia. Todos a acharam um disparate, mas como o menino era dono das pedras transparentes, não o podiam contrariar. Até podiam não parecer inteligentes se o tentassem parar. 
O rapaz sentou-se à porta da sua casa normal, com a sua roupa normal e o seu jeito normal. À sua frente havia uma mesa de madeira com um letreiro pousado, onde se podia ler:


TROCAM-SE PEDRAS TRANSPARENTES POR
COPOS DE ÁGUA – UM POR UM 

Todos os que passavam estavam muito atarefados. Iam para algum lado fazer alguma coisa importante. Só os meninos e as meninas arrastavam os pais para brincar. Olhavam para as formas diferentes e para a luz a cintilar. Umas eram redondas, outras compridas, havia até umas bicudas. Dava para espreitar e até ver os adultos a crescer e a mingar. Começou então a troca que de boca em boca se espalhou: 
- Há um menino em tal lugar que dá pedras transparentes em troca de um copo de água! 
- Que tonto! – resmungava um. 
- Que doido! – rezingava outro. 
- Que génio! – maravilhou-se ainda outro. 
- Que génio!?!?!? – questionaram-se tantos. 
- Nós, aqui no nosso lugar, vamos trocar pedras douradas por sacos de trigo. 
Mais uma vez os adultos passavam pela banca das pedras douradas e não queriam jogar aquele jogo. As crianças paravam, faziam as trocas e maravilhavam-se com o reflexo do sol a cintilar naquelas pedrinhas fantásticas. 
De boca em boca, também esta história se espalhou e, mais uma vez o povo deu a sua opinião. 
- Que tonto! – resmungava um. 
- Que doido! – rezingava outro. 
- Que génio! – maravilhou-se ainda outro. 
- Que génio!?!?!? – questionaram-se tantos. 
- Nós, aqui no nosso lugar, vamos trocar pedras prateadas por sacos de arroz. 
Ainda outra vez os adultos não quiseram brincar. Os meninos, por seu lado, logo se encantaram com o brilho pálido do reflexo da lua nestas pedrinhas de encantar. 
Pela terceira vez a história correu mundo e o povo deu a sua opinião. 
- Que tonto! – resmungava um. 
- Que doido! – rezingava outro. 
- Que génio! – maravilhou-se ainda outro. 
- Que génio!?!?!? – questionaram-se tantos.
III 

Na terra do rapaz muito estranho que bebia água correu notícia de que a sede e a fome já não existiam. Em todas as terras do mundo esta notícia se espalhou. Aqueles bocadinhos de vidro e metal serviam agora para enfeitar as ruas das cidades onde os meninos podiam espreitar e ver o mundo a crescer ou a diminuir. 

Maria João Marques
e  Maria José Meireles

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

domingo, 14 de setembro de 2014

A aldeia que nunca mais foi a mesma

Era uma aldeia de pescadores de onde a alegria fugira, e os dias e as noites se sucediam numa monotonia sem fim, das mesmas coisas que aconteciam, das mesmas coisas que se diziam, dos mesmos gestos que se faziam, e os olhares eram tristes, baços peixes que já nada procuravam, por saberem inútil procurar qualquer coisa, os rostos vazios de sorrisos e de surpresas, a morte prematura morando no enfado, só as intermináveis rotinas do dia a dia, prisão daqueles que se haviam condenado a si mesmos, sem esperanças, nenhuma outra praia pra onde navegar...

Até que o mar, quebrando um mundo, anunciou de longe que trazia nas suas ondas coisa nova, desconhecida, forma disforme que flutuava, e todos vieram à praia, na espera... E ali ficaram, até que o mar, sem se apressar, trouxe a coisa e a depositou na praia, surpresa triste, um homem morto...
E o que é que se pode fazer com um morto, se não enterrá-lo? Tomaram-no então para os preparativos de funeral, que naquela aldeia ficavam a cargo das mulheres; às vezes é mais grato preparar os mortos para a sepultura que acompanhar os vivos na morte em que se perderam ao viver. Foi levado para uma casa, os homens de fora, olhando...

No corpo morto as algas, os líquens, as coisas verdes do mar, testemunhas de funduras e distâncias, mistérios escondidos para sempre no silêncio de sua boca sem palavras...
As mãos começaram o trabalho, e nada se dizia, só os rostos tristes... Até que uma delas, um leve tremor no canto dos lábios, balbuciou:
– “É, se tivesse vivido entre nós teria de se ter curvado sempre para entrar em nossas casas. É muito alto...”
E todas assentiram com o silêncio.
– “Fico a pensar em como teria sido a sua voz”, disse uma outra. “Teria sido como o quebrar das ondas? Como a brisa nas folhas? Será que ele conhecia a magia das palavras que, uma vez ditas, fazem uma mulher colher uma flor e a colocar nos cabelos?”
As outras sorriram, surpresas de memórias que começavam a surgir de profundezas, como bolhas que sobem de espaços submarinos, desejos há muito esquecidos.
Foi então que uma outra, olhando aquelas mãos enormes, inertes, disse as saudades que arrepiavam a sua pele:
– “Estas mãos... que terão feito? Terão tomado no seu vazio um rosto de mulher? Terão sido ternas? Terão sabido amar?”
E elas sentiram que coisas belas e sorridentes, há muito esquecidas, passadas por mortas, nas suas funduras, saíam do ouvido e vinham, mansas, se dizer no silêncio do morto. A vida renascia na morte graciosa de um morto desconhecido e que, por isto mesmo, por ser desconhecido, deixava que pusessem no seu colo os desejos que a morte em vida proibira...
E os homens, do lado de fora, perceberam que algo estranho acontecia: os rostos das mulheres, maçãs em fogo, os olhos brilhantes, os lábios úmidos, o sorriso selvagem, e compreenderam o milagre: vida que voltava, ressurreição de mortos... E tiveram ciúmes do afogado... Olharam para si mesmos, se acharam pequenos e domesticados, e perguntaram se aquele homem teria feito gestos nobres (que eles não mais faziam) e pensaram que ele teria travado batalhas bonitas (onde a sua coragem?), e o viram brincando com crianças (mas lhes faltava a leveza...), e o invejaram amando como nenhum outro (mas onde se escondera o seu próprio amor?)...
Termina a estória dizendo que eles, finalmente, o enterraram.
Mas a aldeia nunca mais foi a mesma...
Não, não é à toa que conto esta estória. Foi quando soube da morte – ela cresceu dentro de mim. Claro que eu já suspeitava: os cavalos de guerra odeiam crianças; e o bronze das armas odeia canções, especialmente quando falam das flores, e não se ouve o ruflar lúgubre dos tambores da morte. Foi naquele dia, fim de abril, o mês do céu azul e do vento manso. Eu sabia da morte, mas havia em mim um riso teimoso, mais forte que o carrasco, esperança, visão de coisas que eu não sabia vivas. Foi então que me lembrei da história. Não, foi ela que se lembrou de mim, e veio para dar nome aos meus sentimentos e se contou de novo. Só que agora os rostos anônimos viraram rostos que eu vira, caminhando e cantando, seguindo a canção, risos que corriam para ver a banda passar contando coisas de amor, os rojões, as buzinas, as panelas, sinfonia que se tocava sobre a desculpa de um morto...
Mas não era isto, não era o morto: era o desejo que jorrava, vida, mar que saía de funduras reprimidas e se espraiava como onda, espumas e conchinhas, mansa e brincalhona...
Ah! O povo se descobrira, tão bonito como nunca suspeitara...
Não era raiva.
Não era azia.
Nem mesmo fome ou desemprego.
O bonito foi isto mesmo: que de tantos golpes, de tanta dor, tenham surgido canções, tenha brotado uma flor.
Lembra-se? Aconteceu na estação da Páscoa...
A Vida ressurge da Morte.
Três dias, vinte anos, um século... Não importa...
Por favor: conte para alguém a estória da aldeia que, depois de enterrar um morto, nunca mais foi a mesma.. Nós...

P.S.: Quase me esqueci de dizer. A estória é de Gabriel Garcia Marquez. Eu só a recontei do meu jeito...

(Rubem Alves, crônica para o jornal “Folha de São Paulo”, em 19/05/1984)

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

LUÍS SERGUILHA: DESDOBRAMENTOS DO HOMEM-NATURA - REVISADO

Ausência

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade

Desiderate

Vai serenamente por entre a agitação e a pressa e lembra-te da paz que pode haver no silêncio.
Sem seres subserviente, mantém-te tanto quanto possível, em boas relações com todos.
Diz a tua verdade calma e claramente e escuta com atenção os outros mesmo que menos dotados e ignorantes; também eles têm a sua história.
Evita as pessoas barulhentas e agressivas; são mortificações para o espírito.
Se te comparas com os outros podes tornar-te presunçoso ou melancólico porque haverá sempre pessoas superiores e inferiores a ti.
 Apraz-te com as tuas realizações tanto como com os teus planos. Põe todo o interesse na tua carreira ainda que ela seja humilde; é um bem real nos destinos mutáveis do tempo.
Usa de prudência nos teus negócios porque o mundo está cheio de astúcia; mas que isto não te cegue a ponto de não veres virtude onde ela existe; muitas pessoas lutam por altos ideais e em todo o lado a vida está cheia de heroísmo.
Sê fiel a ti mesmo. Sobretudo não simules afeição nem sejas cínico em relação ao amor porque, em face da aridez e do desencanto, ele é perene como a relva.
Toma amavelmente o conselho dos mais idosos, renunciando com graciosidade às ideias da juventude.
 Educa a fortaleza de espírito para que te salvaguarde numa inesperada desdita. Mas não te atormentes com fantasias. Muitos receios surgem da fadiga e da solidão.
Para além de uma disciplina salutar, sê gentil contigo mesmo.
Tu és filho do universo e, tal como as árvores e as estrelas, tens direito de o habitar. E quer isto seja ou não claro para ti, sem dúvida que o universo é – te disto revelador.
Portanto vive em paz com Deus seja qual for a ideia que d´Ele tiveres. E quaisquer que sejam as tuas lutas e aspirações, na ruidosa confusão da vida, conserva-te em paz com a tua alma.
Com toda a sua falsidade, escravidão e sonhos desfeitos o mundo é ainda maravilhoso.
Sê alegre. Luta para seres feliz.

Max Ehrmann
( Tradução livre de M.L.Peixoto) – versão portuguesa do “Desiderate”.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Amor...



Em todas
as esquinas
do tempo
tão discreto
e só sente
quem sabe
que existe.

Maria José Meireles

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Telectu - Minimal I

Grito...

Sei que não sou
o que queres ouvir
mas o que tenho
a dizer.



Maria José Meireles

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Terra...

Sinto-me
em casa
quando dizes
sermos do mesmo
planeta.



Maria José Meireles

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Pé de dança...

O pé
é de chumbo
a cabeça
é de chumbo
o coração
é de chumbo
e a dança
será solução?



Maria José Meireles

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

terça-feira, 26 de agosto de 2014

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

terça-feira, 12 de agosto de 2014

O tempo que foge

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos. Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria do mundo. Não vou mais a workshops onde se ensina como converter milhões usando uma fórmula de poucos pontos. Não quero que me convidem para eventos de um fim-de-semana com a proposta de abalar o milênio.

Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos parlamentares e regimentos internos. Não gosto de assembléias ordinárias em que as organizações procuram se proteger e perpetuar através de infindáveis detalhes organizacionais.

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos. Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de “confrontação”, onde “tiramos fatos à limpo”. Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário do coral.

Já não tenho tempo para debater vírgulas, detalhes gramaticais sutis, ou sobre as diferentes traduções da Bíblia. Não quero ficar explicando porque gosto da Nova Versão Internacional das Escrituras, só porque há um grupo que a considera herética. Minha resposta será curta e delicada: – Gosto, e ponto final! Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: “As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos”. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos.

Já não tenho tempo para ficar dando explicação aos medianos se estou ou não perdendo a fé, porque admiro a poesia do Chico Buarque e do Vinicius de Moraes; a voz da Maria Bethânia; os livros de Machado de Assis, Thomas Mann, Ernest Hemingway e José Lins do Rego.

Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita para a “última hora”; não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja andar humildemente com Deus. Caminhar perto dessas pessoas nunca será perda de tempo.

Ricardo Gondim

Crianças Invisíveis - Dublado - Português

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

domingo, 3 de agosto de 2014

Árvore...


Van Gogh - A Noite Estrelada, 1889

Escolho a árvore
que mora junto ao regato
que há séculos
vê a água passar
que quando morrer
ninguém vai notar
e somente as árvores
vão abrigar.



Maria José Meireles

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Escola da Ponte - 1

Poupo nas razões para me exceder na utopia
Sei que não há olhos para o invisível
Creio apenas em todos os que crêem comigo

Ademar Santos

publicado em "Descansando do Futuro (Reserva de Intimidade)", Asa, 2003

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Jardim...

Não compra
pessoas
nem plantas
e tem
a casa cheia.



Maria José Meireles

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Adoro ler-te... pois!...



Perguntas se vou
à Feira do Livro
esta tarde,
ou a um rio para lá...
ou a uma montanha
com vista para o infinito...
e eu digo:
adoro ler-te... pois!...

Maria José Meireles

domingo, 13 de julho de 2014

Por uma sociedade da educação ou a cada rebanho o cajado que merece!!!!

A convicção que se tem vindo a generalizar (de resto, permanentemente afirmada e reforçada pelos gurus da comunicação) de que os problemas de educação são, em primeira linha, imputáveis às escolas inferiores e aos respectivos professores e que, restaurado um ensino tradicional e autoritário, a qualidade da educação estaria, a prazo, garantida - é, sem dúvida, uma convicção estúpida e socialmente desresponsabilizadora, que ilude as verdadeiras causas do mal estar educativo (e não apenas docente) que hoje percorre as sociedades ditas civilizadas. A qualidade da educação é um desafio que diariamente se coloca a todos e que a todos interpela. Esperar que sejam sempre os outros a responder por falhanços que comprometem a sociedade no seu todo e cada um de nós é a via mais expedita para manter tudo como está.

Daí que não adiante apontar o dedo responsabilizador a quem quer que seja. Impõe-se antes que o dirijamos à nossa própria consciência. Mudar a educação depende de todos e de cada um de nós e não apenas do governo, das escolas ou dos professores.

No interior da família e no interior da sociedade, somos todos educadores e somos todos responsáveis pelo falhanço educativo que nos oprime. Não atiremos pedras, pois, ao telhado dos vizinhos, mas procuremos, em primeiro lugar, arrumar a nossa própria casa. A qualidade da educação começa na família - e todos nós temos aí uma palavra decisiva a dizer, um exemplo de empenhamento, de exigência e de atenção a dar aos mais novos. Não persistamos em imputar genericamente às escolas e aos governos responsabilidades que não lhes cabem. Enquanto as famílias se demitirem das suas obrigações educacionais, enquanto nós todos nos demitirmos, não haverá jamais medidas de política educativa, nem manifestos, nem elites, nem congressos patrocinados pelo Presidente da República, que possam assegurar a qualidade da educação. 
 
Ademar Ferreira dos Santos 

sábado, 12 de julho de 2014

Poema

A minha vida é o mar o Abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita

Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará

Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento

A terra o sol o vento o mar
São a minha biografia e são meu rosto

Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento

E a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada 
 
Sophia de Mello Breyner Andresen

sexta-feira, 11 de julho de 2014

domingo, 6 de julho de 2014

A FÚRIA DA BELEZA



Estupidamente bela
a beleza dessa maria-sem-vergonha rosa
soca meu peito esta manhã!
Estupendamente funda,
a beleza, quando é linda demais,
dá uma imagem feita só de sensações,
de modo que, apesar de não se ter consciência desse todo,
naquele instante não nos falta nada.
É um pá. Um tapa. Um gole.
Um bote nos paralisa, organiza,
dispersa, conecta e completa!
Estonteantemente linda
a beleza doeu profundo no peito essa manhã.
Doeu tanto que eu dei de chorar,
por causa e uma flor comum e misteriosa do caminho.
Uma delicada flor ordinária,
brotada da trivialidade do mato,
nascida do varejo da natureza,
me deu espanto!
Me tirou a roupa, o rumo, o prumo
e me pôs a mesa...
é a porrada da beleza!
Eu dei de chorar de uma alegria funda,
quase tristeza.

Acontece às vezes e não avisa.
A coisa estarrece e abre-se um portal.
É uma dobradura do real, uma dimensão dele,
uma mágica à queima-roupa sem truque nenhum.
Porque é real.
Doeu a flor em mim tanto e com tanta força
que eu dei de soluçar!
O esplendor do que eu vi era pancada,
era baque e era bonito demais!

Penso, às vezes, que vivo para esse momento
indefinível, sagrado, material, cósmico,
quase molecular.
Posto que é mistério,
descrevê-lo exato perambula ermo
dentro da palavra impronunciável.
Sei que é desta flechada de luz
que nasce o acontecimento poético.

Poesia é quando a iluminação zureta,
bela e furiosa desse espanto
se transforma em palavra!
A florzinha distraída
existindo singela na rua paralelepípeda esta manhã,
doeu profundo como se passasse do ponto.
Como aquele ponto do gozo,
como aquele ápice do prazer
que a gente pensa que vai até morrer!
Como aquele máximo indivisível,
que, de tão bom, é bom de doer,
aquele momento em que a gente pede pára
querendo que e não podendo mais querer,
porque mais do que aquilo
não se agüenta mais,
sabe como é?

Violenta, às vezes, de tão bela, a beleza é!

© ELISA LUCINDA
In A Fúria da Beleza, 2006

Chopin - Complete Nocturnes (Brigitte Engerer)

Raquel - Tardes de 1 a 3 de julho de 2014










David - Tardes de 1 a 3 de julho de 2014