sexta-feira, 30 de julho de 2010

Improviso para confessar, publicamente, uma fragilidade...

O universo
por vezes estreita-me
entre vozes que tropeçam
o tempo da fala
deixo de me ouvir
para abraçar o vento
morrerei talvez
deste excesso de atenção
ao universo.

Ademar

Improviso por conta da agenda...

Teço as palavras
como se a vida
me pedisse todas as noites
uma toalha nova
sobre a mesa
a que me sento
com as estrelas
tomei de empréstimo
à memória das mãos
este tear
e só tropeço nas cedilhas
quando danço contigo.

Ademar

Improviso pré-arquitectónico...

Todas as casas
são templos de magia
estão cheias de tudo
o que lá não está.

Ademar

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Dissertação sobre o anúncio do crepúsculo…



Voltas a colocar o teu pé
nas marcas que deixei no meu caminho
ainda temos as flores
de todos os jardins que visitámos
revolvemos dos sótãos
as teias das aranhas
e os papéis velhos esquecidos nos baús
o tempo escureceu os crepúsculos
antes da lua aparecer
mas as mãos não esqueceram gestos antigos
nem os corpos negaram os seus apelos
as palavras ainda são as mesmas
e tu segredas-me que já chegou a Primavera
só porque hoje vens com o vestido de que mais gosto…

Alexandre de Castro
retirado do Alpendre da Lua

Erros Meus, Má Fortuna, Amor Ardente

Erros meus, má Fortuna, Amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a Fortuna sobejaram,
Que para mim bastava Amor somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que já as frequências suas me ensinaram
A desejos deixar de ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa a que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.

De Amor não vi senão breves enganos.
Oh! Quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!

Luís Vaz de Camões, in "Sonetos"

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Barco...

Amante secreto,
barqueiro
(para a terceira margem)
ou marido
mesmo sem chegares
a ser meu
basta-me que sejas.

Maria José Meireles

Beco...

Sabia ser
o teu sonho
sabias que era
a última
nunca imaginei
seres
o primeiro.

Maria José Meireles

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Os sinos da Sé de Braga



...
Ai os sinos da Sé de Braga
Ai tocam todos há paixão
Ai o pequeno toca o vira
Ai o grande toca o malhão
Ai o grande toca o malhão
Ó larai ó la-ri-ló-lé-la
...

Os sinos da Sé de Braga

Dizem...

Queira o Senhor
saber
que é falta de educação
sair da mesa
sem pedir licença
e sem esperar que eu lha dê.
De resto
tudo foi perfeito
e perfeitamente agradável.
Espero-o
na próxima maré
(se houver vida além da morte
como dizem).

Maria José Meireles

Presente...

Quem tem
passado garantido
não pensa o futuro
vive
tão intensamente
como adolescente
tenha a idade que tiver.

Maria José Meireles

domingo, 25 de julho de 2010

Poema para a Lídia…


Salvador Dali

Nascer e morrer
são coisas de todos os dias
de uma banalidade
assustadora
e que escapa a todos os calendários
e às anotações nas agendas
mas eu já sei que vais morrer
e os olhos já me doem de cansaço…

( A Lídia morreu aos 48 anos de idade)
Alexandre de Castro
retirado do Alpendre da Lua

À Eluana Englaro…



Morreste hoje ao anoitecer
porque nós não queríamos
que vivesses morta ou moribunda
durante uma vida inteira
aqueles que te pediam
o martírio da tortura
não sabiam o que diziam
quando nos ameaçaram
com a culpa
e com a ira divina
eles ainda não entenderam
que as máquinas, os tubos
e as amarras contra a morte
são apenas uma fronteira
onde deixamos de sorrir
e tu já não sorrias
e também não precisavas
de pedir o passaporte.

Alexandre de Castro
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Retirado do abnoxio

sábado, 24 de julho de 2010

Improviso para dizer que voltarei amanhã...

Hoje não saí de casa
não passei pelo bar
de todas as noites
onde nos costumamos encontrar
brindei simplesmente à tua ausência
tropeçando na memória
de um olhar que parece sempre chamar-me
quis escrever com todas as letras o teu nome
e não fui capaz
hei-de tirar as impressões digitais
da mesa a que te sentas
quando esperas por mim
e eu passo ao largo do desejo
sem te ver.

Ademar

Improviso sintético...

Quando te faltar o chão
dorme sobre a mesa
quando te faltar a mesa
já só o silêncio te servirá.

Ademar

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Improviso diante de um espelho cego...

Ainda não acabei de contar
as tatuagens
e já estás a dizer-me
que ainda nem nasceste
como desacreditarei
da bondade da tua pele?

Ademar

Morta por viver...

Estou morta
por viver
e se é contigo
que eu falo
é porque os outros
(os que pensam
estar vivos)
estão todos
bem mais mortos
do que tu
e eu
não tenho escolha
nem vou morrer
entalada.
Mas logo
que eu encontrar
um vivo
sobre a Terra
podes estar certo
que te esqueço
nesse mesmo momento
e até te dou
o eterno descanso
que já mereces.

Maria José Meireles

Abandonos...

Ela
estava feliz,
disse
que ia embora
do manicómio
mas
a noite chegou
e ninguém veio buscá-la.

Maria José Meireles

quinta-feira, 22 de julho de 2010

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Enya Only time

A Fermosura desta fresca Serra

A fermosura desta fresca serra,
e a sombra dos verdes castanheiros,
o manso caminhar destes ribeiros,
donde toda a tristeza se desterra;

o rouco som do mar, a estranha terra,
o esconder do sol pelos outeiros,
o recolher dos gados derradeiros,
das nuvens pelo ar a branda guerra;

enfim, tudo o que a rara natureza
com tanta variedade nos of´rece,
me está magoando.

Sem ti, tudo me enjoa e me aborrece;
sem ti, perpetuamente estou passando,
nas mores alegrias, mór tristeza.

Luís de Camões

Enya Wild Child

Beleza...

Beleza
é essencial.
Se falha
fora de mim
encontro-a
dentro.

Maria José Meireles

Poema das coisas belas

As coisas belas,
as que deixam cicatrizes na memória dos homens,
por que motivo serão belas?
E belas, para quê?

Põe-se o sol porque o seu movimento é relativo.
Derrama cores porque os meus olhos vêem.
Mas por que será belo o pôr do Sol?
E belo, para quê?

Se acaso as coisas não são coisas em si mesmas,
mas só são coisas quando coisas percebidas,
por que direi das coisas que são belas?
E belas, para quê?

Se acaso as coisas forem coisas em si mesmas
sem precisarem de ser coisas percebidas,
para quem serão belas essas coisas?
E belas, para quê?

António Gedeão, Poemas póstumos (1987)

Salão de Idéias de Rubem Alves mediado por Renata Canales

Pensamento do dia...

É difícil confiar em mim própria mas não é impossível.

Manuel Freire - Pedra filosofal

terça-feira, 20 de julho de 2010

Desconheço-me...

Sei
de caminhos
que já não são
para mim.
Desconheço
o meu próprio
caminho.
Quero apenas
conhecer-me.

Maria José Meireles

O velho Francisco - Chico Buarque

Pensamento do dia...

Há caminhos tão atraentes quanto medonhos.

Mais adolescências...

Ela
veio visitar-nos
pegou na vassoura
e o chão
ficou limpo.

Maria José Meireles

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Educar sexualmente...



Senhora
fêmea
ou
homem.
Para ser Humano
basta ser
Maria e Marta
e ser uno.

Maria José Meireles

Sin Mirar Lo Que Me Pongo by MARIA BERASARTE

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Pensamento do dia...

O pobre nem quieto nem calado.

Provérbio Português

Pensamento do dia...

Quanto mais cega melhor vejo.

Phil Collins - Do You Remember

Amar...

Ver.

Maria José Meireles

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Pensamento do dia...

Ver e amar são a mesma coisa.

Estatística

Quando eu nasci havia em Portugal
(Em Portugal continental
e nas ridentes,
verdes e calmas
ilhas adjacentes)
uns seis milhões e umas tantas mil almas.
Assim se lia
no meu livrinho de Corografia
de António Eusébio de Morais Soajos.
Hoje, graças aos progressos da Higiene e da Pedagogia,
já somos quase dez milhões de gajos.

António Gedeão

Quer que eu lhe conte uma estória?



(Obrigada Rubem. Fiquei surpreendida...)

ostra feliz não faz pérola



(Obrigada Rubem. Fiquei contente...)

DESCANSANDO DO FUTURO

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Maldito Labirinto

Poemas para quem gosta

A Matemática das Coisas



(Obrigada Nuno. Fiquei contente...)

Para ser grande

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.

Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

Ricardo Reis

terça-feira, 13 de julho de 2010

Pensamento do dia...

Quero crescer sem nunca deixar de ser pequena.

Pensamento do dia...

Sou do tamanho da minha generosidade.

Improviso para eucaristia...

Quando cortares os pulsos
deixa as mãos de fora
para os cuidados paliativos
nunca prometas menos
do que o mistério da transubstanciação
o brinde a sangue fermentado
a palavra que transforma o poema
na última ceia
o pão ázimo de séculos
e o mel que ainda escorre do corpo
na humidade tardia da tela.

Ademar

Pensamento do dia...

Escrevo para não cortar os pulsos.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Surpresa...

Nada espero
de ti
por isso sei
que um dia
me darás
a maior
de todas
as alegrias.

Maria José Meireles

quarta-feira, 7 de julho de 2010

A saudade é a nossa alma dizendo para onde ela quer voltar.

Rubem Alves
Ler é fazer amor com as palavras.

Rubem Alves
Toda alma é uma música que se toca.

Rubem Alves

Morte Devagar

Morre lentamente quem não viaja,
Quem não lê,
Quem não ouve música,
Quem destrói o seu amor-próprio,
Quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente quem se transforma escravo do hábito,
Repetindo todos os dias o mesmo trajecto,
Quem não muda as marcas no supermercado,
não arrisca vestir uma cor nova,
não conversa com quem não conhece.

Morre lentamente quem evita uma paixão,
Quem prefere o "preto no branco"
E os "pontos nos is" a um turbilhão de emoções indomáveis,
Justamente as que resgatam brilho nos olhos,
Sorrisos e soluços, coração aos tropeços, sentimentos.

Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz no trabalho,
Quem não arrisca o certo pelo incerto atrás de um sonho,
Quem não se permite,
Uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da má sorte ou da chuva incessante,
Desistindo de um projecto antes de iniciá-lo,
não perguntando sobre um assunto que desconhece
E não respondendo quando lhe indagam o que sabe.

Evitemos a morte em doses suaves,
Recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior do que o
Simples acto de respirar.
Estejamos vivos, então!

Martha Medeiros

Pensamento do dia...

A fome é a melhor escola.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Berço...

Criar turmas de nível
é educar para a hierarquia
do egoísmo.
Ricos mais ricos
pobres mais pobres
e a escola
o berço do Mundo.

Maria José Meireles

sábado, 3 de julho de 2010

Para Rubem Alves

Querido Rubem, ainda podemos sonhar juntos... mesmo que isso seja um grande desafio (nada a que eu não esteja já habituada).

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Pensamento do dia...

O elogio é a arma que desarma o desarmado.
Leio-te
entendo-te
reflito
entendo-me
revivo
e mato saudades

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Carmindo Pereira Ramos

I
O poema é uma rosa
Que perfuma o coração
É uma pedra preciosa
Colhida com emoção
II
Para irmos muito longe
A voar pelo universo
Olhar estrelas, qual monge
E descrevê-las em verso
III
É sonhar a cada instante
E nas ondas viajar
Chegar à terra distante
Sobre o verde-azul do mar
IV
O poema é esperança
É carinho, é ternura
É sorriso de criança
É amor, é aventura.
V
É voz do trabalhador
D’amargura e do sofrer
Da sua luta e suor
P’ra poder sobreviver
VI
Com dignidade e valor
De cabeça bem erguida
E sem sombra de rancor
Fruir simplesmente a vida
VII
O poema é paixão
É tristeza, é alegria
É mistério, ilusão
É encanto, é magia
VIII
Mas é ainda a razão
É a luz clara do dia
É a noite, escuridão
É a paz, é harmonia.

FIM


Areias de São Vicente, 15 de Junho de 2010.
Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!

Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz-
Ter por vida a sepultura.
...

Grécia, Roma, Cristandade,
Europa - os quatro se vão
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião?


Fernando Pessoa