quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Ninguém come pedras


I

Era uma vez um rapaz muito estranho que bebia água. De todas as bebidas coloridas que há no mundo, logo teve que escolher água. 
Experimentou todas as cores. Tentou beber o arco-íris inteiro, mas logo se empanturrou. 
Um dia, nas suas andanças de menino, encontrou um homem bem velhinho. Tão velhinho que parecia transparente. 
- Porque és assim? - o rapaz lhe perguntou. 
- Assim como? – o velho ripostou. 
- Tão transparente... – disse o rapaz. 
- É de estar gasto... é de ter visto tantas coisas transparentes... transformei-me numa delas. 
- Eu também gosto de coisas transparentes! Gosto de copos de água. – afirmou o menino. 
- Copos de água? Porquê? O que fazes tu com eles? – questionou o velhote. 
- Bebo, espreito, verto, engulo, vejo sempre para o outro lado! Vejo sempre coisas diferentes. Às vezes vejo grande, às vezes vejo pequeno, umas vejo magro, outras, gordo. É a melhor brincadeira do mundo.
II 

Na caixa do correio o menino encontrou um envelope bem gordo. Dentro dizia que o velhinho já não estava mais por cá. Tinha-se esfumado no ar e já não havia vestígios da sua existência. Tinha-lhe deixado umas pedras transparentes e um papel amarelo com umas letras bonitas onde dizia que aquelas e muitas outras pedras transparentes que vinham de uma gruta da montanha eram dele. Podia fazer o que quisesse com elas. 
Logo muitos espertalhões, de todos os países do mundo, apareceram com ideias maravilhosas de ganhar muito dinheiro e, com esse dinheiro, comprar muitos objetos ainda mais maravilhosos. Parecia que aquelas pedras eram muito valiosas... 
Para o rapaz muito estranho, não havia nada de especial para pensar. Depois de muitas propostas ouvir, de muitos sábios atender e de muitas ideias considerar, regressou ao seu coração: “Quero continuar a brincar!” – pensou. 
Sabia jogar um jogo e tinha que experimentar! 
Propôs aos sábios a sua ideia. Todos a acharam um disparate, mas como o menino era dono das pedras transparentes, não o podiam contrariar. Até podiam não parecer inteligentes se o tentassem parar. 
O rapaz sentou-se à porta da sua casa normal, com a sua roupa normal e o seu jeito normal. À sua frente havia uma mesa de madeira com um letreiro pousado, onde se podia ler:


TROCAM-SE PEDRAS TRANSPARENTES POR
COPOS DE ÁGUA – UM POR UM 

Todos os que passavam estavam muito atarefados. Iam para algum lado fazer alguma coisa importante. Só os meninos e as meninas arrastavam os pais para brincar. Olhavam para as formas diferentes e para a luz a cintilar. Umas eram redondas, outras compridas, havia até umas bicudas. Dava para espreitar e até ver os adultos a crescer e a mingar. Começou então a troca que de boca em boca se espalhou: 
- Há um menino em tal lugar que dá pedras transparentes em troca de um copo de água! 
- Que tonto! – resmungava um. 
- Que doido! – rezingava outro. 
- Que génio! – maravilhou-se ainda outro. 
- Que génio!?!?!? – questionaram-se tantos. 
- Nós, aqui no nosso lugar, vamos trocar pedras douradas por sacos de trigo. 
Mais uma vez os adultos passavam pela banca das pedras douradas e não queriam jogar aquele jogo. As crianças paravam, faziam as trocas e maravilhavam-se com o reflexo do sol a cintilar naquelas pedrinhas fantásticas. 
De boca em boca, também esta história se espalhou e, mais uma vez o povo deu a sua opinião. 
- Que tonto! – resmungava um. 
- Que doido! – rezingava outro. 
- Que génio! – maravilhou-se ainda outro. 
- Que génio!?!?!? – questionaram-se tantos. 
- Nós, aqui no nosso lugar, vamos trocar pedras prateadas por sacos de arroz. 
Ainda outra vez os adultos não quiseram brincar. Os meninos, por seu lado, logo se encantaram com o brilho pálido do reflexo da lua nestas pedrinhas de encantar. 
Pela terceira vez a história correu mundo e o povo deu a sua opinião. 
- Que tonto! – resmungava um. 
- Que doido! – rezingava outro. 
- Que génio! – maravilhou-se ainda outro. 
- Que génio!?!?!? – questionaram-se tantos.
III 

Na terra do rapaz muito estranho que bebia água correu notícia de que a sede e a fome já não existiam. Em todas as terras do mundo esta notícia se espalhou. Aqueles bocadinhos de vidro e metal serviam agora para enfeitar as ruas das cidades onde os meninos podiam espreitar e ver o mundo a crescer ou a diminuir. 

Maria João Marques
e  Maria José Meireles

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