segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
domingo, 26 de dezembro de 2010
Dedicatória...
Escreveste:
grande amiga da adolescência,
quando o tempo era eterno.
Pergunto:
deixamos de ser amigas
ou o nosso tempo continua eterno
e gratuito?
Maria José Meireles
grande amiga da adolescência,
quando o tempo era eterno.
Pergunto:
deixamos de ser amigas
ou o nosso tempo continua eterno
e gratuito?
Maria José Meireles
Um violino na lama
Chove...
Mas isso que importa!
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir na chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?
Chove...
Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.
José Gomes Ferreira, in Antologia Poética, Porto Editora, 1974
Mas isso que importa!
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir na chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?
Chove...
Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.
José Gomes Ferreira, in Antologia Poética, Porto Editora, 1974
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
Azul e mar
O céu é azul,
O mar não ilude,
A terra não mente…
Por cada um destes olhares
Há sempre uma verdade
Que nos ensina a saber
Amar as coisas…
A presença sofismada
De pensar que só,
Por estar só, se está bem;
Apenas flutua
Em órbita da negação.
Augusto Canetas
Flashes
O mar não ilude,
A terra não mente…
Por cada um destes olhares
Há sempre uma verdade
Que nos ensina a saber
Amar as coisas…
A presença sofismada
De pensar que só,
Por estar só, se está bem;
Apenas flutua
Em órbita da negação.
Augusto Canetas
Flashes
Natal...
Eu estava bonita
ele parecia atrasado
mental
(e não era pela roupa
era mesmo pela cara)
abordou-me
disse para eu não ter medo.
A vida ensinou-me
que os mais traiçoeiros
são os obedientes
(sempre bem parecidos).
Perguntei-lhe:
Porque haveria de ter medo?
Ele pediu desculpa
eu desejei-lhe Bom Natal.
Maria José Meireles
ele parecia atrasado
mental
(e não era pela roupa
era mesmo pela cara)
abordou-me
disse para eu não ter medo.
A vida ensinou-me
que os mais traiçoeiros
são os obedientes
(sempre bem parecidos).
Perguntei-lhe:
Porque haveria de ter medo?
Ele pediu desculpa
eu desejei-lhe Bom Natal.
Maria José Meireles
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
domingo, 19 de dezembro de 2010
sábado, 18 de dezembro de 2010
TABACARIA
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
à parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho genios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, para o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei que moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheco-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.
Álvaro de Campos
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
à parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho genios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, para o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei que moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheco-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.
Álvaro de Campos
LIBERDADE
Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...
Fernando Pessoa
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...
Fernando Pessoa
Pensamento do dia...
"Olhe, minha querida, se meus poemas são difíceis, a culpa não é minha. Juro que não tenho culpa. Meus poemas sofrem de mim."
Manoel de Barros
Manoel de Barros
Etiquetas:
Manoel de Barros,
Pensamento
A MORTE
E o Poeta morreu.
A sombra do cipreste pôde enfim
Abraçar o cipreste.
O torrão
Caiu desfeito ao chão
Da aventura celeste.
Nenhum tormento mais, nenhuma imagem
(No caixão, ninguém pode
Fantasiar).
Pronto para a viagem
De acabar.
Só no ouvido dos versos,
Onde a seiva não corre,
Uma rima perdura
A dizer com brandura
Que um Poeta não morre.
Miguel Torga
In Nihil Sibi, 1948
A sombra do cipreste pôde enfim
Abraçar o cipreste.
O torrão
Caiu desfeito ao chão
Da aventura celeste.
Nenhum tormento mais, nenhuma imagem
(No caixão, ninguém pode
Fantasiar).
Pronto para a viagem
De acabar.
Só no ouvido dos versos,
Onde a seiva não corre,
Uma rima perdura
A dizer com brandura
Que um Poeta não morre.
Miguel Torga
In Nihil Sibi, 1948
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
Pensamento do dia...
O dinheiro pode não trazer felicidade mas põe um gajo bem disposto!
Franklin Cerqueira
Franklin Cerqueira
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
Improviso para metáfora convencional...
O universo
tem muita gente
que anda à procura
de uma casa
em que caiba
e nunca encontra
pelo menos
no tempo de uma vida
os gatos
ao invés
têm muitas vidas
e nunca desistem
pelo menos
antes da última.
Ademar
tem muita gente
que anda à procura
de uma casa
em que caiba
e nunca encontra
pelo menos
no tempo de uma vida
os gatos
ao invés
têm muitas vidas
e nunca desistem
pelo menos
antes da última.
Ademar
domingo, 12 de dezembro de 2010
Piscina novamente...
Carrega as pernas
porque tem esperança
nelas
de resto
nada
perfeitamente bem.
Maria José Meireles
porque tem esperança
nelas
de resto
nada
perfeitamente bem.
Maria José Meireles
sábado, 11 de dezembro de 2010
Fim do caminho...
Uns nascem
para morrer
outros morrem
para nascer.
Não te chorarei
para que nunca morras.
Maria José Meireles
Dissertação sobre o tempo…
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
Outra piscina...
Hoje
foi pequena.
Tinha lágrimas
dos quatro cantos
da Terra.
Ainda assim
estava doce.
Maria José Meireles
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
Sete...
Criação do mundo
virtudes humanas
mares navegáveis
artes
notas musicais
cores do arco-íris
dias da semana.
Maria José Meireles
(Com a ajuda da Raquel)
virtudes humanas
mares navegáveis
artes
notas musicais
cores do arco-íris
dias da semana.
Maria José Meireles
(Com a ajuda da Raquel)
Doze...
Meses do ano
discípulos de Jesus
frutos do Espírito Santo
tribos de Israel
filhos de Jacob
pedras preciosas
(da Coroa da Inglaterra)
portas da cidade de Jerusalém
(anjos que as custodiavam)
justo equilíbrio,
prudência
e forma graciosa.
Maria José Meireles
discípulos de Jesus
frutos do Espírito Santo
tribos de Israel
filhos de Jacob
pedras preciosas
(da Coroa da Inglaterra)
portas da cidade de Jerusalém
(anjos que as custodiavam)
justo equilíbrio,
prudência
e forma graciosa.
Maria José Meireles
Dez...
Fiz-te com:
sabedoria
entendimento
conhecimento
bondade
severidade
harmonia
perseverança
esplendor
apego
e realeza
és completo
significas perfeição.
Maria José Meireles
sabedoria
entendimento
conhecimento
bondade
severidade
harmonia
perseverança
esplendor
apego
e realeza
és completo
significas perfeição.
Maria José Meireles
Dezoito...
Encontrei-me
aleatoriamente
sou um número
natural
nasci
da soma dos números
da palavra
a unidade
foi-me prometida
pela soma
dos meus algarismos.
Maria José Meireles
aleatoriamente
sou um número
natural
nasci
da soma dos números
da palavra
a unidade
foi-me prometida
pela soma
dos meus algarismos.
Maria José Meireles
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
Abril de Abril
Era um Abril de amigo Abril de trigo
Abril de trevo e trégua e vinho e húmus
Abril de novos ritmos novos rumos.
Era um Abril comigo Abril contigo
ainda só ardor e sem ardil
Abril sem adjectivo Abril de Abril.
Era um Abril na praça Abril de massas
era um Abril na rua Abril a rodos
Abril de sol que nasce para todos.
Abril de vinho e sonho em nossas taças
era um Abril de clava Abril de acto
em mil novecentos e setenta e quatro.
Era um Abril viril Abril tão bravo
Abril de boca a abrir-se Abril palavra
esse Abril em que Abril se libertava.
Era um Abril de clava Abril de cravo
Abril de mão na mão e sem fantasmas
esse Abril em que Abril floriu nas armas.
MANUEL ALEGRE
Poesia vol I - Dom Quixote
Abril de trevo e trégua e vinho e húmus
Abril de novos ritmos novos rumos.
Era um Abril comigo Abril contigo
ainda só ardor e sem ardil
Abril sem adjectivo Abril de Abril.
Era um Abril na praça Abril de massas
era um Abril na rua Abril a rodos
Abril de sol que nasce para todos.
Abril de vinho e sonho em nossas taças
era um Abril de clava Abril de acto
em mil novecentos e setenta e quatro.
Era um Abril viril Abril tão bravo
Abril de boca a abrir-se Abril palavra
esse Abril em que Abril se libertava.
Era um Abril de clava Abril de cravo
Abril de mão na mão e sem fantasmas
esse Abril em que Abril floriu nas armas.
MANUEL ALEGRE
Poesia vol I - Dom Quixote
Etiquetas:
Poema que um Aluno partilhou comigo hoje...
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
A palavra poema...
Muitas doenças que as pessoas têm são poemas presos.
Abcessos tumores nódulos.
Pedras são palavras calcificadas.
Poemas sem vazão.
Mesmo cravos, espinhas, cabelo encravado,
prisão de ventre, poderiam, um dia, ter sido poema.
Pessoas às vezes adoecem por manter a palavra presa.
Palavra boa é palavra líquida.
Escorrendo em estado de lágrima.
Lágrima é dor derretida .
Dor endurecida é tumor.
Lágrima é alegria derretida.
Alegria endurecida é tumor.
Lágrima é raiva derretida.
Raiva endurecida é tumor.
Lágrima é pessoa derretida
Pessoa endurecida é tumor.
Tempo endurecido é tumor
Tempo derretido é poema.
Palavra suor é melhor do que palavra cravo
que é melhor do que palavra ferida,
Que é melhor do que palavra nódulo,
Que nem chega perto da palavra tumores internos
Palavra lágrima é melhor
Palavra melhor ainda é poema!
Viviane Mosé
(Obrigada Rubem. Fiquei rendida...)
Abcessos tumores nódulos.
Pedras são palavras calcificadas.
Poemas sem vazão.
Mesmo cravos, espinhas, cabelo encravado,
prisão de ventre, poderiam, um dia, ter sido poema.
Pessoas às vezes adoecem por manter a palavra presa.
Palavra boa é palavra líquida.
Escorrendo em estado de lágrima.
Lágrima é dor derretida .
Dor endurecida é tumor.
Lágrima é alegria derretida.
Alegria endurecida é tumor.
Lágrima é raiva derretida.
Raiva endurecida é tumor.
Lágrima é pessoa derretida
Pessoa endurecida é tumor.
Tempo endurecido é tumor
Tempo derretido é poema.
Palavra suor é melhor do que palavra cravo
que é melhor do que palavra ferida,
Que é melhor do que palavra nódulo,
Que nem chega perto da palavra tumores internos
Palavra lágrima é melhor
Palavra melhor ainda é poema!
Viviane Mosé
(Obrigada Rubem. Fiquei rendida...)
domingo, 5 de dezembro de 2010
Dissertação sobre o meu nascimento…
Quando eu nasci
no mês de Maio
a vinte e cinco
do ano de quarenta e quatro
minha mãe disse
que o sol dera duas voltas
e a lua andava aluada
tal como a cadela
que passou o dia a ganir
nessa noite os astros fizeram greve
e até uma senhora
vestida de branco aterrou
numa figueira, lá no quintal,
julgando ser uma azinheira
alguém a viu estatelada no chão
a praguejar contra a triste sorte
e a rezar orações estranhas
então a parteira, depois do susto,
virou-me de cabeça para baixo
para eu começar a chorar
e foi nesse momento que falei,
pela primeira e única vez,
a dizer que não queria ser santo,
guerreiro, nem banqueiro,
para não conspurcar o mundo
minha mãe julgou que eu
não iria sobreviver…
Alexandre de Castro
Lisboa, Maio de 2010
retirado do Alpendre da Lua
sábado, 4 de dezembro de 2010
Outra homenagem...
Escrevo
para não ser
mais um número
nas estatísticas
dos que se atiraram
atiram
ou atirarão
da ponte 25 de Abril.
Maria José Meireles
para não ser
mais um número
nas estatísticas
dos que se atiraram
atiram
ou atirarão
da ponte 25 de Abril.
Maria José Meireles
Pensamento do dia...
Há homens que lutam um dia, e são bons;
Há outros que lutam um ano, e são melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida.
Estes são os imprescindíveis.
Bertold Brecht
Há outros que lutam um ano, e são melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida.
Estes são os imprescindíveis.
Bertold Brecht
Prospecção
Não são pepitas de oiro que procuro.
Oiro dentro de mim, terra singela!
Busco apenas aquela
Universal riqueza
Do homem que revolve a solidão:
O tesoiro sagrado
De nenhuma certeza,
Soterrado
Por mil certezas de aluvião.
Cavo,
Lavo,
Peneiro,
Mas só quero a fortuna
De me encontrar.
Poeta antes dos versos
E sede antes da fonte.
Puro como um deserto.
Inteiramente nu e descoberto.
Miguel Torga
Oiro dentro de mim, terra singela!
Busco apenas aquela
Universal riqueza
Do homem que revolve a solidão:
O tesoiro sagrado
De nenhuma certeza,
Soterrado
Por mil certezas de aluvião.
Cavo,
Lavo,
Peneiro,
Mas só quero a fortuna
De me encontrar.
Poeta antes dos versos
E sede antes da fonte.
Puro como um deserto.
Inteiramente nu e descoberto.
Miguel Torga
sexta-feira, 3 de dezembro de 2010
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
Pensamento do dia...
Uma pessoa muda quando tem amor dentro de si.
Então, dá mais do que aparenta ter...
Margarida Cândida Jorge.
28 de Novembro de 2010.
Então, dá mais do que aparenta ter...
Margarida Cândida Jorge.
28 de Novembro de 2010.
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
Pensamento do dia...
A brincadeira torna feliz qualquer pessoa em qualquer idade.
Maria José Meireles
Maria José Meireles
Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.
Cecília Meireles
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.
Cecília Meireles
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