domingo, 29 de agosto de 2010

Porta...

Toda a viagem termina
onde a saudade acontece
é certo que virão
e com o teu nome
se há-de abrir
a porta
que os espera.

Maria José Meireles

sábado, 28 de agosto de 2010

Bondade...

Não me toques
não agora
não tu
estou frágil
como uma bola de sabão
e a tua bondade
pode ser fatal.

Maria José Meireles

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Improviso a benefício da saudade…

Um dia
quando eu já for uma ausência eterna
ler-me-ás talvez com outros olhos
a morte que sempre há-de iluminar-nos.

Ademar
Será possível, então, um triunfo no amor?
Sim.
Mas ele não se encontra no final do caminho: não na partida, não na chegada, mas na travessia.

Rubem Alves
Não me falou em amor. Essa palavra de luxo.

Adélia Prado

Zubin Mehta Conducts Israel Philharmonic with Viviane Hagner

LEÃOZINHO, Caetano Veloso

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

No Céu...

Diz
não sentir o corpo
e ser bom
por poder dizer:
Estou no Céu!

Maria José Meireles

Sentido...

Como não tenho
500 anos de esperança
reparto-me pelas aldeias
(as que conseguir tocar)
para perceber
o sentido
de toda a vida.

Maria José Meireles

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Ironia...

Com que prazer sádico
me recomendas um médico,
se não me recomendas
nem a Vida nem este Mundo?
Para me atirar da ponte
não é necessário fazer análises
e até a ironia tem limites.

Maria José Meireles

domingo, 8 de agosto de 2010

A Dança das Algas

Pedra marítima enrolada no marulhar das vagas
Retrocede às mais íntimas planuras
E queda-se baixinho murmurando:
Ó solidão das lisas madrugadas.

Dedilhaste com jeito clássico
As músicas aquáticas dos ventos
Quando surgiste, despontaram flores
E derramaram-se perfumes pelos ares.

Devagar desfolhaste os teus ensinamentos
à natureza grávida das árvores
Aos montes lúcidos da neve,
E aos píncaros altíssimos das águias.

Tudo ouviu a tua voz e ficou mudo
Porque nada sabia nomear-te
E sob as asas côncavas das aves
As pérolas da vida reluziam.

Algas dançavam pelo espaço pleno
Nos teus olhos pousavam mansamente
Como passos de reis em pétalas de espuma.
A terra fecundada deslizava nos laranjais juncados de ternura.

Só tu brincavas entre as dunas brancas
E dos teus dedos saíam melodias
Que os peixes boquiabertos recebiam
Nos vidros transparentes das escamas.

O sol almofadado, róseo,
cobria tardes sossegadas.
Voltavam vagamente os sons do mar
Roçando as folhas verdes que tremiam.

E do silêncio extático das horas
A tua mão secreta se estendia
Era a dança das algas da saudade
Tu dançavas com elas e morrias.

Mário Garcia,SJ

A Estória...


Salvador Dali

1. Sobre a mesa, um café
mais afecto, menos açúcar
2. o cheiro das camélias
o vinho inebriante
3. um tango em forma de girafa voadora
o mar numa concha de lábios
4. o anel
5. a fonte, o rio e o ribeiro
6. a ponte da felicidade, os brinquedos
o quarto do espelho
7. um excesso de luz
olhos que ajoelham
8. um livro com dedicatória
9. a porta fechada
por fora.

Maria José Meireles

Dissertação sobre a solidão…



O mais difícil de imaginar
é cortar as amarras do navio
quando o cais está vazio
sem lenços brancos na hora da despedida
já só tenho as carícias do vento
e o balanço incerto das ondas
contra o casco
até tu faltaste neste momento
quando enfrento a largura deste mar de desassossego
mas sei que alguém me espera num outro porto
para me salvar.

Alexandre de Castro
retirado do Alpendre da Lua

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Adélia Prado fala sobre amor

Improviso de género...

Talvez tenhas razão
talvez a loucura seja
como dizes
uma propriedade feminina
um excesso de luz
um encandeamento dos sentidos
deixas de ver
e enlouqueces
há mulheres
que se desintegram assim
numa espécie de névoa interior
como se
simplesmente
adormecessem por dentro.

Ademar

Improviso para Arianna...

O sangue no lugar da água
em todas as fontes
e no corpo que te pertence
a harpa
se a dor tocasse assim a beleza dos homens
todos os homens seriam eternos.

Ademar

Os poemas

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhoso espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...

QUINTANA, Mário. Esconderijos do tempo. Porto Alegre: L&PM,1980.

Poemas de amor

"Compreendi que a vida não é uma sonata que, para realizar sua beleza, tem de ser tocada até o fim.
Dei-me conta, ao contrário, de que a vida é um album de minissonatas.
Cada momento de beleza vivido e amado, por efêmero que seja, é uma experiência completa que está destinada à eternidade.
Um único momento de beleza e de amor justifica a vida inteira"

Rubem Alves

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Triângulo...

Pensei o polígono
da nudez
o equilibrio
de fotografar
as estrelas
um tripé
a exposição
lenta
da película
e nenhuma interferência
dos batimentos
cardíacos.

Maria José Meireles

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Pai...

Embalsamaram-te
e sentam-te
na mesa
todas as noites
jantam
na tua presença
ausente
sem saberem
que já morreste
há muito.

Maria José Meireles

Beethoven Sinfonía nº 5 (Bernstein - Baviera) 1/6

BEETHOVEN.ODE TO JOY

domingo, 1 de agosto de 2010

Alimento...

Tudo era
bem mais simples
quando o alimento
me procurava
tenho asas
tenho ar
tenho medo
de voar
não deixarei
morrer à sede
nenhum sonho
que me alimente.

Maria José Meireles

Lloyd Cole Brand New Friend

Plano de aula...

O aluno
recusou-se
a aprender
qualquer matéria.
Temeu
ficar igual aos professores.
Disse
que fui a melhor
e eu
esqueci-me
de lhe dizer o mesmo.

Maria José Meireles