Agradeço
o fruto
e o sabor
e o saber
da semente
que fui.
Maria José Meireles
terça-feira, 31 de julho de 2012
segunda-feira, 30 de julho de 2012
Pedacinhos...
Hoje
quero queixar-me
não sei porquê
quero rasgar-te
em pedacinhos
tão pequenos
impossíveis de reconstruir amanhã
quero-me renascida.
Maria José Meireles
quero queixar-me
não sei porquê
quero rasgar-te
em pedacinhos
tão pequenos
impossíveis de reconstruir amanhã
quero-me renascida.
Maria José Meireles
Dissertação sobre as declinações verbais…
Hoje apeteceu-me acender
todas as luzes do firmamento
para que a noite não escurecesse
e os teus passos fossem mais seguros
fechá-las-ei quando regressares
às tuas ausências
nada será como dantes
quando escrevias os poemas
com as minhas mãos
e ainda não sabias os nomes das flores
que eu te dava
não sei se ainda te lembras do jogo cruzado
que te ensinei da última vez.
Alexandre de Castro
retirado do Alpendre da Lua
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Alexandre de Castro,
Carlos Cardoso
Quando morre um poeta
Quando morre um poeta
Morre um pouco da vida
Morre um pouco de nós.
Morre uma palavra dita
E mil que ficaram por dizer.
Morre um pouco da esperança
Do mundo ser ainda melhor
E de sermos melhores do que somos
E fazermos melhor o que tentamos fazer.
Quanto morre um poeta
Entristeço-me
Pois penso nos poemas
que deixarei de ouvir.
Mas onde morre um poeta,
Ah, lá devem nascer mais dez.
Carlos Cardoso
Morre um pouco da vida
Morre um pouco de nós.
Morre uma palavra dita
E mil que ficaram por dizer.
Morre um pouco da esperança
Do mundo ser ainda melhor
E de sermos melhores do que somos
E fazermos melhor o que tentamos fazer.
Quanto morre um poeta
Entristeço-me
Pois penso nos poemas
que deixarei de ouvir.
Mas onde morre um poeta,
Ah, lá devem nascer mais dez.
Carlos Cardoso
(escrito mesmo de improviso na emoção da notícia da perda de alguém que não conheceu, mas que era um poeta...)
Ausência
Eu deixarei que morra
em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.
Vinicius de Moraes
O MOSTRENGO
O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: “Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?”
E o homem do leme disse, tremendo:
“El-Rei D. João Segundo!”
“De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?”
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
“Quem vem poder o que eu só posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?”
E o homem do leme tremeu e disse:
“El-Rei D. João Segundo!”
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
“Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!”
Fernando Pessoa in Mensagem
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: “Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?”
E o homem do leme disse, tremendo:
“El-Rei D. João Segundo!”
“De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?”
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
“Quem vem poder o que eu só posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?”
E o homem do leme tremeu e disse:
“El-Rei D. João Segundo!”
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
“Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!”
Fernando Pessoa in Mensagem
domingo, 29 de julho de 2012
O Homem e o Mar
Homem livre, o oceano é um espelho fulgente
Que tu sempre hás-de amar. No seu dorso agitado,
Como em puro cristal, contemplas, retratado,
Teu íntimo sentir, teu coração ardente.
Gostas de te banhar na tua própria imagem.
Dás-lhe beijo até, e, às vezes, teus gemidos
Nem sentes, ao escutar os gritos doloridos,
As queixas que ele diz em mística linguagem.
Vós sois, ambos os dois, discretos tenebrosos;
Homem, ninguém sondou teus negros paroxismos,
Ó mar, ninguém conhece os teus fundos abismos;
Os segredos guardais, avaros, receosos!
E há séculos mil, séculos inumeráveis,
Que os dois vos combateis n'uma luta selvagem,
De tal modo gostais n'uma luta selvagem,
Eternos lutador's ó irmãos implacáveis!
Charles Baudelaire, in "As Flores do Mal"
Tradução de Delfim Guimarães
Que tu sempre hás-de amar. No seu dorso agitado,
Como em puro cristal, contemplas, retratado,
Teu íntimo sentir, teu coração ardente.
Gostas de te banhar na tua própria imagem.
Dás-lhe beijo até, e, às vezes, teus gemidos
Nem sentes, ao escutar os gritos doloridos,
As queixas que ele diz em mística linguagem.
Vós sois, ambos os dois, discretos tenebrosos;
Homem, ninguém sondou teus negros paroxismos,
Ó mar, ninguém conhece os teus fundos abismos;
Os segredos guardais, avaros, receosos!
E há séculos mil, séculos inumeráveis,
Que os dois vos combateis n'uma luta selvagem,
De tal modo gostais n'uma luta selvagem,
Eternos lutador's ó irmãos implacáveis!
Charles Baudelaire, in "As Flores do Mal"
Tradução de Delfim Guimarães
sábado, 28 de julho de 2012
Vale dos Homens...
A 29 de agosto
antes do sol nascer
vou à praia
(com merenda)
e, cumprindo a tradição,
celebro a vitória da vida
sobre a morte.
Maria José Meireles
antes do sol nascer
vou à praia
(com merenda)
e, cumprindo a tradição,
celebro a vitória da vida
sobre a morte.
Maria José Meireles
A função do orgasmo
As enfermidades psíquicas são o resultado de uma perturbação da capacidade natural de amar. (REICH, 1990, p. 14).
A estrutura do caráter do homem moderno, que reflete uma cultura patriarcal e autoritária de seis mil anos, é tipificada por um encouraçamento do caráter contra sua própria natureza interior e contra a miséria social que o rodeia. Essa couraça do caráter é a base do isolamento, da indigência, do desejo de autoridade, do medo à responsabilidade, do anseio místico, da miséria sexual e da revolta neuroticamente impotente, assim como de uma condescendência patológica. O homem alienou-se a si mesmo da vida, crescendo hostil a ela. Essa alienação não é de origem biológica, mas sócio-económica. Não se encontra nos estágios da história humana anteriores ao desenvolvimento do patriarcado. (REICH, 1990, p. 14-15).
A estrutura do caráter do homem moderno, que reflete uma cultura patriarcal e autoritária de seis mil anos, é tipificada por um encouraçamento do caráter contra sua própria natureza interior e contra a miséria social que o rodeia. Essa couraça do caráter é a base do isolamento, da indigência, do desejo de autoridade, do medo à responsabilidade, do anseio místico, da miséria sexual e da revolta neuroticamente impotente, assim como de uma condescendência patológica. O homem alienou-se a si mesmo da vida, crescendo hostil a ela. Essa alienação não é de origem biológica, mas sócio-económica. Não se encontra nos estágios da história humana anteriores ao desenvolvimento do patriarcado. (REICH, 1990, p. 14-15).
Wilhelm Reich
Pensamento do dia...
Aquele que vem ao mundo para não perturbar nada não merece nem respeito nem paciência.
René Char
sexta-feira, 20 de julho de 2012
quinta-feira, 19 de julho de 2012
quarta-feira, 18 de julho de 2012
Havia, em algum lugar, um parque cheio de pinheiros e tílias, e uma velha casa que eu amava. Pouco importava que ela estivesse distante ou próxima, que não pudesse cercar de calor o meu corpo, nem me abrigar; reduzida apenas a um sonho, bastava que ela existisse para que a minha noite fosse cheia de sua presença. Eu não era mais um corpo de homem perdido no areal. Eu me orientava. Era o menino daquela casa, cheio da lembrança de seus perfumes, cheio da fragrância dos seus vestíbulos, cheio das vozes que a haviam animado.
Antoine de Saint-Exupéry
ACASO
Cada um que passa em nossa vida,
passa sozinho, pois cada pessoa é única
e nenhuma substitui outra.
Cada um que passa em nossa vida,
passa sozinho, mas não vai só
nem nos deixa sós.
Leva um pouco de nós mesmos,
deixa um pouco de si mesmo.
Há os que levam muito,
mas há os que não levam nada.
Essa é a maior responsabilidade de nossa vida,
e a prova de que duas almas
não se encontram ao acaso.
Antoine de Saint-Exupéry
passa sozinho, pois cada pessoa é única
e nenhuma substitui outra.
Cada um que passa em nossa vida,
passa sozinho, mas não vai só
nem nos deixa sós.
Leva um pouco de nós mesmos,
deixa um pouco de si mesmo.
Há os que levam muito,
mas há os que não levam nada.
Essa é a maior responsabilidade de nossa vida,
e a prova de que duas almas
não se encontram ao acaso.
Antoine de Saint-Exupéry
terça-feira, 17 de julho de 2012
Pensamento do dia...
O futebol é uma profissão capaz de promover pessoas sem classe em todo o mundo.
Maria José Meireles
Maria José Meireles
segunda-feira, 16 de julho de 2012
domingo, 15 de julho de 2012
sábado, 14 de julho de 2012
Frémito do Meu Corpo a Procurar-te
Glória Lopes
Frémito do meu corpo a procurar-te,
Febre das minhas mãos na tua pele
Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel,
Doído anseio dos meus braços a abraçar-te,
Olhos buscando os teus por toda a parte,
Sede de beijos, amargor de fel,
Estonteante fome, áspera e cruel,
Que nada existe que a mitigue e a farte!
E vejo-te tão longe! Sinto tua alma
Junto da minha, uma lagoa calma,
A dizer-me, a cantar que não me amas...
E o meu coração que tu não sentes,
Vai boiando ao acaso das correntes,
Esquife negro sobre um mar de chamas...
Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas"
sexta-feira, 13 de julho de 2012
quinta-feira, 12 de julho de 2012
PARECER DE RUBEM ALVES SOBRE PAULO FREIRE
Paulo Freire: Cumprindo burocracias a reitoria da Unicamp encarregou-me de elaborar um parecer sobre Paulo Freire que, de alguma forma, avalizasse a sua contratação como docente da universidade. Exigência ridícula e absurda, dada a projeção e o prestígio do ilustre pedagogo. Foi isso que escrevi:
“O objetivo de um parecer, como a própria palavra o sugere, é dizer a alguém que supostamente nada ouviu e que, por isto mesmo, nada sabe, aquilo que parece ser, aos olhos do que fala ou escreve. Quem dá um parecer empresta os seus olhos e o seu discernimento a um outro que não viu e nem pôde meditar sobre a questão em pauta. Isto é necessário porque os problemas são muitos e os nossos olhos são apenas dois...
Há, entretanto, certas questões sobre as quais emitir um parecer é quase uma ofensa. Emitir um parecer sobre Nietzsche ou sobre Beethoven ou sobre Cecília Meireles? Para isto seria necessário que o signatário do documento fosse maior que eles e o seu nome mais conhecido e mais digno de confiança que aqueles sobre quem escreve...
Um parecer sobre Paulo Reglus Neves Freire.
O seu nome é conhecido em universidades através do mundo todo. Não o será aqui, na Unicamp? E será por isto que deverei acrescentar a minha assinatura (nome conhecido, doméstico) como avalista? Seus livros, não sei em quantas línguas estarão publicados. Imagino (e bem pode ser que eu esteja errado) que nenhum outro dos nossos docentes terá publicado tanto, em tantas línguas. As teses que já se escreveram sobre seu pensamento formam bibliografias de muitas páginas. E os artigos escritos sobre o seu pensamento e a sua prática educativa, se publicados, seriam livros.
O seu nome, por si só, sem pareceres domésticos que o avalizem, transita pelas universidades da América do Norte e da Europa. E quem quisesse acrescentar a este nome a sua própria “carta de apresentação” só faria papel ridículo.
Não. Não posso pressupor que este nome não seja conhecido na Unicamp. Isto seria ofender aqueles que compõem seus órgãos decisórios.
Por isso o meu parecer é uma recusa em dar um parecer. E nesta recusa vai, de forma implícita e explícita, o espanto de que eu devesse acrescentar o meu nome ao de Paulo Freire. Como se, sem o meu, ele não se sustentasse.
Mas ele se sustenta sozinho, Paulo Freire atingiu o ponto máximo que um educador pode atingir.
A questão é se desejamos tê-lo connosco. A questão é se ele deseja trabalhar ao nosso lado.
É bom dizer aos amigos:
— Paulo Freire é meu colega. Temos salas no mesmo corredor da Faculdade de Educação da Unicamp...
Era o que me cumpria dizer.”
RUBEM ALVES
“O objetivo de um parecer, como a própria palavra o sugere, é dizer a alguém que supostamente nada ouviu e que, por isto mesmo, nada sabe, aquilo que parece ser, aos olhos do que fala ou escreve. Quem dá um parecer empresta os seus olhos e o seu discernimento a um outro que não viu e nem pôde meditar sobre a questão em pauta. Isto é necessário porque os problemas são muitos e os nossos olhos são apenas dois...
Há, entretanto, certas questões sobre as quais emitir um parecer é quase uma ofensa. Emitir um parecer sobre Nietzsche ou sobre Beethoven ou sobre Cecília Meireles? Para isto seria necessário que o signatário do documento fosse maior que eles e o seu nome mais conhecido e mais digno de confiança que aqueles sobre quem escreve...
Um parecer sobre Paulo Reglus Neves Freire.
O seu nome é conhecido em universidades através do mundo todo. Não o será aqui, na Unicamp? E será por isto que deverei acrescentar a minha assinatura (nome conhecido, doméstico) como avalista? Seus livros, não sei em quantas línguas estarão publicados. Imagino (e bem pode ser que eu esteja errado) que nenhum outro dos nossos docentes terá publicado tanto, em tantas línguas. As teses que já se escreveram sobre seu pensamento formam bibliografias de muitas páginas. E os artigos escritos sobre o seu pensamento e a sua prática educativa, se publicados, seriam livros.
O seu nome, por si só, sem pareceres domésticos que o avalizem, transita pelas universidades da América do Norte e da Europa. E quem quisesse acrescentar a este nome a sua própria “carta de apresentação” só faria papel ridículo.
Não. Não posso pressupor que este nome não seja conhecido na Unicamp. Isto seria ofender aqueles que compõem seus órgãos decisórios.
Por isso o meu parecer é uma recusa em dar um parecer. E nesta recusa vai, de forma implícita e explícita, o espanto de que eu devesse acrescentar o meu nome ao de Paulo Freire. Como se, sem o meu, ele não se sustentasse.
Mas ele se sustenta sozinho, Paulo Freire atingiu o ponto máximo que um educador pode atingir.
A questão é se desejamos tê-lo connosco. A questão é se ele deseja trabalhar ao nosso lado.
É bom dizer aos amigos:
— Paulo Freire é meu colega. Temos salas no mesmo corredor da Faculdade de Educação da Unicamp...
Era o que me cumpria dizer.”
RUBEM ALVES
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Eu não!...
Sei de pessoas
à tua dimensão
eu não!...
Porque teimas em dizer
que gostas de mim
e delas não?
Que sou especial
e elas não?
Que me queres a mim
e a elas não?
Sei de pessoas
à tua dimensão
eu não!...
Maria José Meireles
à tua dimensão
eu não!...
Porque teimas em dizer
que gostas de mim
e delas não?
Que sou especial
e elas não?
Que me queres a mim
e a elas não?
Sei de pessoas
à tua dimensão
eu não!...
Maria José Meireles
quarta-feira, 11 de julho de 2012
terça-feira, 10 de julho de 2012
Pensamento do dia...
A minha mãe deixou-me a melhor de todas as heranças: saber viver.
Susana Batista
Susana Batista
E mais uma vez se confirma a inutilidade dos graus académicos: fui gentilmente apelidado de especialista, mas quem aprendeu fui eu! Vou reter (assim de chofre, sem pedir autorização nem nada) a frase "da mesma forma que respiro e desconheço a composição química do ar...", comprometendo-me a fazê-la acompanhar do nome do autor. Diz muito da forma correcta de fruir arte, em qualquer vertente. Aliás, o 'público em geral' é o verdadeiro alvo de qualquer forma de arte que queira ser maior e duradoira, e a minha apaixonada leitura de Rushdie ou Saramago coloca-me nesse mesmo patamar de fruição não especializada.
Quanto ao 'nosso' amigo Ludwig, o grande filósofo da música, é difícil perscrutá-lo. Às vezes, conjecturo que toda aquela propalada (será factual?) rudeza apenas servia de capa para uma sensibilidade que submerge indisfarçavelmente no belíssimo e comovente Scherzo da 7ª, ou na sonata patética (outro nome dado postmortem)... Se aquilo é rudeza, quero ser um calhau.
Ricardo Reis
Quanto ao 'nosso' amigo Ludwig, o grande filósofo da música, é difícil perscrutá-lo. Às vezes, conjecturo que toda aquela propalada (será factual?) rudeza apenas servia de capa para uma sensibilidade que submerge indisfarçavelmente no belíssimo e comovente Scherzo da 7ª, ou na sonata patética (outro nome dado postmortem)... Se aquilo é rudeza, quero ser um calhau.
Ricardo Reis
Se eu pudesse viver novamente a minha vida...
Quando o li pela primeira vez, fiquei comovido. Era uma mistura de sabedoria e tristeza. Seu título era Instantes e começava assim: “Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros… Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres..” E ia assim, parágrafo após parágrafo, listando coisas que haviam sido feitas e que não deveriam ter sido feitas, e coisas que não haviam sido feitas e que deveriam ter sido feitas. Até o final melancólico: “Mas, já viram, tenho oitenta e cinco anos, e sei que estou morrendo…” O texto era uma advertência aos mais moços: só temos o momento. Não percam o agora.
Estou a ponto de “desfazer” 70 anos, muito embora os distraídos insistam em usar o verbo “fazer”. O fato é que a celebração de mais um ano de vida é a celebração de um desfazer, um tempo que deixou de ser, não mais existe. Fósforo que foi riscado. Nunca mais acenderá. Daí a profunda sabedoria do ritual de soprar as velas em festas de aniversário. Se uma vela acesa é símbolo de vida, uma vez apagada ela se torna símbolo de morte. O que não entendo é a razão pela qual os participantes, diante das velas apagadas, se ponham a bater palmas e a rir, quando o certo seria que chorassem. Eu prefiro um ritual mais alegre: acender uma vela bem grande, como um bruxedo de invocação dos anos ainda não nascidos cujo número não sei!
Os números redondos, creio que por razões estéticas, são mais poderosos que os números quebrados. Ninguém acharia nada de extraordinário com o número 7.073.565 da sua carteira de identidade. Mas se o número for 5.000.000 isso será razão para as mais fantásticas conjecturas. Assim, ao ensejo do número redondo “70″, pensei em fazer um documento parecido com o Instantes, confessando erros e dando conselhos aos mais jovens. Mas desisti. E isso porque “se eu pudesse viver de novo a minha vida”, eu quereria vivê-la do jeito mesmo como a vivi, com seus desenganos, fracassos e equívocos.
Doidice? Imaginem que eu estivesse infeliz. Eu teria então todas as razões para voltar atrás e tentar consertar os lugares onde errei. Mas eu não estou infeliz. Vivo um crepúsculo bonito, com a suíte n. 1 de Bach, para violoncelo. Se houve sofrimentos no caminho, imagino que, se não os tivesse tido, talvez a suíte n. 1 de Bach não estivesse sendo ouvida. Estou onde estou pelos caminhos e descaminhos que percorri.
Faz muitos anos, nos tempos em que eu era ainda professor da Unicamp, um aluno que eu não conhecia telefonou-me dizendo que precisava falar comigo. Marcamos um encontro na minha casa. Ele chegou, abriu um caderno, e começou a fazer-me perguntas. A primeira pergunta – que abortou todas as outras – foi a seguinte: “Como é que o senhor planejou a sua vida para que chegasse aonde chegou?” Percebi logo. Ele me admirava. Queria ser como eu. Queria que eu lhe contasse o segredo. Que lhe revelasse o caminho. Mas minha resposta pôs a perder as suas expectativas. Foi isso que eu lhe disse: “Eu estou onde estou porque todos os meus planos deram errado.” Isso é absolutamente verdadeiro.
As pontes que eu construía para chegar aonde eu queria ruíam uma após a outra. Eu era então obrigado a procurar caminhos não pensados. E aconteceu por vezes que nem mesmo segui, por vontade própria, os caminhos alternativos à minha frente. Escorreguei. A vida me empurrou. Fui literalmente obrigado a fazer o que não queria.
Por exemplo: meu pai, homem muito rico, foi à falência. Ficou pobre. Teve de mudar de cidade para começar vida nova. Se isso não tivesse acontecido, é provável que hoje eu fosse um rico fazendeiro guiando uma F 1000 e contabilizando cabeças de gado. Quando me mudei para o Rio de Janeiro, aos doze anos de idade, menino do interior de Minas com um sotaque caipira, fui objeto de zombarias e chacotas. Nunca me senti tão sozinho. Nunca fui convidado a ir à casa de um colega e nunca tive coragem para convidar um colega para ir à minha casa. Sofri a dor da solidão e da rejeição.
Mas foi esse espaço de solidão na minha alma que me fez pensar coisas que doutra forma eu não teria pensado. Lutei muito para ser pianista. Trabalhei duro, horas e horas por dia. Se tivesse dado certo, eu seria hoje um pianista medíocre. Pianista bom não precisa fazer força. É dom de Deus, como é o caso do Nelson Freire. A diferença entre nós é que, enquanto eu tentava colocar dentro de mim um piano que estava fora, o problema do Nelson era colocar para fora um piano que morava dentro dele desde o nascimento. Para mim, o piano nunca passaria de uma prótese. Mas, para o Nelson, o piano é uma expansão do seu corpo. Foi preciso que eu fracassasse como pianista para que o escritor que morava dentro de mim aparecesse.
Assim, comecei a fazer música com palavras, acho que com a mesma facilidade com que o Nelson toca piano. Fui pastor protestante e é provável que, se tudo tivesse acontecido nos conformes, eu hoje fosse um clérigo velho. Mas veio o golpe militar, fui acusado de subversivo pelas zelosas e bondosas autoridades da Igreja… Tive de me mudar para os Estados Unidos com a minha família – o que foi ótimo para todos nós. Fiz meu doutoramento, fiz amigos novos, viajei, conheci lugares, acampei, tive tempo para ler e pensar.
Cheguei onde estou por caminhos que não planejei. É um lugar feliz com o qual nunca sonhei. Nunca me passou pela idéia que eu viria a ser escritor. E, em especial, que escreveria estórias para crianças – e que as crianças as amariam (e me amariam por causa delas…). Tanto assim que não me preparei para o ofício. Sou ruim em gramática, erro a acentuação. E há mesmo uma pessoa que se dedicava a escrever-me longas cartas para corrigir meu português. Parou de escrever. Acho que desistiu. Como é bem sabido, eu, um mau aluno, especialmente quando o professor quer ensinar-me coisas que não quero aprender. Pena que o dito professor, voluntário, nunca tivesse feito comentário algum sobre o que eu escrevia. Concordo mesmo é com o Patativa do Assaré: “É melhor escrever errado a coisa certa do que escrever certo a coisa errada…”
Plantei árvores, tive filhos, escrevi livros, tenho muitos amigos e, sobretudo, gosto de brincar.. Que mais posso desejar? Se eu pudesse viver novamente a minha vida, eu a viveria como a vivi porque estou feliz onde estou.
Rubem Alves
Estou a ponto de “desfazer” 70 anos, muito embora os distraídos insistam em usar o verbo “fazer”. O fato é que a celebração de mais um ano de vida é a celebração de um desfazer, um tempo que deixou de ser, não mais existe. Fósforo que foi riscado. Nunca mais acenderá. Daí a profunda sabedoria do ritual de soprar as velas em festas de aniversário. Se uma vela acesa é símbolo de vida, uma vez apagada ela se torna símbolo de morte. O que não entendo é a razão pela qual os participantes, diante das velas apagadas, se ponham a bater palmas e a rir, quando o certo seria que chorassem. Eu prefiro um ritual mais alegre: acender uma vela bem grande, como um bruxedo de invocação dos anos ainda não nascidos cujo número não sei!
Os números redondos, creio que por razões estéticas, são mais poderosos que os números quebrados. Ninguém acharia nada de extraordinário com o número 7.073.565 da sua carteira de identidade. Mas se o número for 5.000.000 isso será razão para as mais fantásticas conjecturas. Assim, ao ensejo do número redondo “70″, pensei em fazer um documento parecido com o Instantes, confessando erros e dando conselhos aos mais jovens. Mas desisti. E isso porque “se eu pudesse viver de novo a minha vida”, eu quereria vivê-la do jeito mesmo como a vivi, com seus desenganos, fracassos e equívocos.
Doidice? Imaginem que eu estivesse infeliz. Eu teria então todas as razões para voltar atrás e tentar consertar os lugares onde errei. Mas eu não estou infeliz. Vivo um crepúsculo bonito, com a suíte n. 1 de Bach, para violoncelo. Se houve sofrimentos no caminho, imagino que, se não os tivesse tido, talvez a suíte n. 1 de Bach não estivesse sendo ouvida. Estou onde estou pelos caminhos e descaminhos que percorri.
Faz muitos anos, nos tempos em que eu era ainda professor da Unicamp, um aluno que eu não conhecia telefonou-me dizendo que precisava falar comigo. Marcamos um encontro na minha casa. Ele chegou, abriu um caderno, e começou a fazer-me perguntas. A primeira pergunta – que abortou todas as outras – foi a seguinte: “Como é que o senhor planejou a sua vida para que chegasse aonde chegou?” Percebi logo. Ele me admirava. Queria ser como eu. Queria que eu lhe contasse o segredo. Que lhe revelasse o caminho. Mas minha resposta pôs a perder as suas expectativas. Foi isso que eu lhe disse: “Eu estou onde estou porque todos os meus planos deram errado.” Isso é absolutamente verdadeiro.
As pontes que eu construía para chegar aonde eu queria ruíam uma após a outra. Eu era então obrigado a procurar caminhos não pensados. E aconteceu por vezes que nem mesmo segui, por vontade própria, os caminhos alternativos à minha frente. Escorreguei. A vida me empurrou. Fui literalmente obrigado a fazer o que não queria.
Por exemplo: meu pai, homem muito rico, foi à falência. Ficou pobre. Teve de mudar de cidade para começar vida nova. Se isso não tivesse acontecido, é provável que hoje eu fosse um rico fazendeiro guiando uma F 1000 e contabilizando cabeças de gado. Quando me mudei para o Rio de Janeiro, aos doze anos de idade, menino do interior de Minas com um sotaque caipira, fui objeto de zombarias e chacotas. Nunca me senti tão sozinho. Nunca fui convidado a ir à casa de um colega e nunca tive coragem para convidar um colega para ir à minha casa. Sofri a dor da solidão e da rejeição.
Mas foi esse espaço de solidão na minha alma que me fez pensar coisas que doutra forma eu não teria pensado. Lutei muito para ser pianista. Trabalhei duro, horas e horas por dia. Se tivesse dado certo, eu seria hoje um pianista medíocre. Pianista bom não precisa fazer força. É dom de Deus, como é o caso do Nelson Freire. A diferença entre nós é que, enquanto eu tentava colocar dentro de mim um piano que estava fora, o problema do Nelson era colocar para fora um piano que morava dentro dele desde o nascimento. Para mim, o piano nunca passaria de uma prótese. Mas, para o Nelson, o piano é uma expansão do seu corpo. Foi preciso que eu fracassasse como pianista para que o escritor que morava dentro de mim aparecesse.
Assim, comecei a fazer música com palavras, acho que com a mesma facilidade com que o Nelson toca piano. Fui pastor protestante e é provável que, se tudo tivesse acontecido nos conformes, eu hoje fosse um clérigo velho. Mas veio o golpe militar, fui acusado de subversivo pelas zelosas e bondosas autoridades da Igreja… Tive de me mudar para os Estados Unidos com a minha família – o que foi ótimo para todos nós. Fiz meu doutoramento, fiz amigos novos, viajei, conheci lugares, acampei, tive tempo para ler e pensar.
Cheguei onde estou por caminhos que não planejei. É um lugar feliz com o qual nunca sonhei. Nunca me passou pela idéia que eu viria a ser escritor. E, em especial, que escreveria estórias para crianças – e que as crianças as amariam (e me amariam por causa delas…). Tanto assim que não me preparei para o ofício. Sou ruim em gramática, erro a acentuação. E há mesmo uma pessoa que se dedicava a escrever-me longas cartas para corrigir meu português. Parou de escrever. Acho que desistiu. Como é bem sabido, eu, um mau aluno, especialmente quando o professor quer ensinar-me coisas que não quero aprender. Pena que o dito professor, voluntário, nunca tivesse feito comentário algum sobre o que eu escrevia. Concordo mesmo é com o Patativa do Assaré: “É melhor escrever errado a coisa certa do que escrever certo a coisa errada…”
Plantei árvores, tive filhos, escrevi livros, tenho muitos amigos e, sobretudo, gosto de brincar.. Que mais posso desejar? Se eu pudesse viver novamente a minha vida, eu a viveria como a vivi porque estou feliz onde estou.
Rubem Alves
sábado, 7 de julho de 2012
Atestado...
Perguntei se estava louca
se me poderia internar
sem dó nem piedade
disse que eu estava bem
e que a vida era assim mesmo.
Maria José Meireles
se me poderia internar
sem dó nem piedade
disse que eu estava bem
e que a vida era assim mesmo.
Maria José Meireles
sexta-feira, 6 de julho de 2012
Pensamento do dia...
Em tempo de paz convém ao homem serenidade e humildade; mas quando estoura a guerra deve agir como um tigre!
William Shakespeare
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Pensamento,
William Shakespeare
Pensamento do dia...
Todos os dias, faço boas e más acções, para manter o equilíbrio.
Maria José Meireles
Maria José Meireles
quinta-feira, 5 de julho de 2012
Maria José,
é evidente que a poesia traduz uma visão ou reflexão e, apesar de se expressar com metáforas de sentimento sobre os próprios sentimentos, é a verdade que procuramos. Só não será verdade que a poesia seja para nós: como tudo o que é bom, ou nós julgamos que seja, queremos partilhá-lo com os outros e a obra, depois de feita, não nos pertence, como dizia Miguel Torga.
Na metáfora há uma verdade e, como ela é do domínio existencial, vale mais do que a verdade científica. Nunca ninguém se matou porque uma verdade científica é assim (e, de facto, não é, porque ela tem mudado muito ao longo da história, mais do que os sentimentos) e já muita gente morreu por um ideal, que poderia ser na ocasião uma utopia (a que alguns chamaram loucura). No entanto, também é verdade que nem todos os sentimentos têm o mesmo valor: os que apoiam e incentivam os outros à melhoria, valem mais do que os da frustração, violência ou negação da dignidade humana.
Um abraço,
Carlos Maia
é evidente que a poesia traduz uma visão ou reflexão e, apesar de se expressar com metáforas de sentimento sobre os próprios sentimentos, é a verdade que procuramos. Só não será verdade que a poesia seja para nós: como tudo o que é bom, ou nós julgamos que seja, queremos partilhá-lo com os outros e a obra, depois de feita, não nos pertence, como dizia Miguel Torga.
Na metáfora há uma verdade e, como ela é do domínio existencial, vale mais do que a verdade científica. Nunca ninguém se matou porque uma verdade científica é assim (e, de facto, não é, porque ela tem mudado muito ao longo da história, mais do que os sentimentos) e já muita gente morreu por um ideal, que poderia ser na ocasião uma utopia (a que alguns chamaram loucura). No entanto, também é verdade que nem todos os sentimentos têm o mesmo valor: os que apoiam e incentivam os outros à melhoria, valem mais do que os da frustração, violência ou negação da dignidade humana.
Um abraço,
Carlos Maia
quarta-feira, 4 de julho de 2012
Chave...
Antecipação...
Dispo
a saudade
como quem veste
manga curta
para receber
a Primavera.
Maria José Meireles
a saudade
como quem veste
manga curta
para receber
a Primavera.
Maria José Meireles
terça-feira, 3 de julho de 2012
segunda-feira, 2 de julho de 2012
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