segunda-feira, 26 de junho de 2017
domingo, 25 de junho de 2017
sexta-feira, 23 de junho de 2017
Improviso confidencial…
que quando uma fêmea confessa
que anda com muita energia
isso não significa
pelo menos necessariamente
que ande com tesão e com vontade de foder
os machos aliás
também em geral
percebem muito pouco de fêmeas
e dos seus estados ou estádios de alma
refiro-me ao râguebi naturalmente
já imagino que vais dizer
que o teu amante parcial
esse que tem uma casa de mulher
e só veste roupa azul e conservadora
palavras tuas
merecia uma entrada porventura
menos gongórica
e que o sangue pedido
tarda a escorrer da tela
se queres mesmo sangue
dir-te-ei que ainda não percebi
quando me fazes certas confidências
sobre sindicalistas aéreos
se estás a tentar-me ao ciúme
ou ao ménage à trois
com legendas em japonês.
Ademar
terça-feira, 20 de junho de 2017
segunda-feira, 19 de junho de 2017
Os Meus Sonhos São Mais Belos que a Conversa Alheia
sábado, 17 de junho de 2017
Porque
Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
Sophia de Mello Breyner Andresen
1969 - Luis Cília - "Não me peçam razões"
Ou darei quantas queiram: bem sabemos
Que razões são palavras, todas nascem
Da mansa hipocrisia que aprendemos.
Não me peçam razões por que se entenda
A força de maré que me enche o peito,
Este estar mal no mundo e nesta lei:
Não fiz a lei e o mundo não aceito.
Não me peçam razões, ou que as desculpe,
Deste modo de amar e destruir:
Quando a noite é de mais é que amanhece
A cor de primavera que há-de vir.
Improviso cartesiano…
é uma higiene dos sentidos
a humanidade
quer-se todos os dias interrogada
para não encardir.
Ademar
sexta-feira, 16 de junho de 2017
Antologia poética (6)...
Não cobiço nem disputo os teus olhos
não estou sequer à espera que me deixes ver através dos teus olhos
nem sei tão pouco se quero ver o que vêem e do modo como vêem os teus olhos
Nada do que possas ver me levará a ver e a pensar contigo
se eu não for capaz de aprender a ver pelos meus olhos e a pensar comigo
Não me digas como se caminha e por onde é o caminho
deixa-me simplesmente acompanhar-te quando eu quiser
Se o caminho dos teus passos estiver iluminado
pela mais cintilante das estrelas que espreitam as noites e os dias
mesmo que tu me percas e eu te perca
algures na caminhada certamente nos reencontraremos
Não me expliques como deverei ser
quando um dia as circunstâncias quiserem que eu me encontre
no espaço e no tempo de condições que tu entendes e dominas
Semeia-te como és e oferece-te simplesmente à colheita de todas as horas
Não me prendas as mãos
não faças delas instrumento dócil de inspirações que ainda não vivi
Deixa-me arriscar o barro talvez impróprio
na oficina onde ganham forma e paixão todos os sonhos que antecipam o futuro
E não me obrigues a ler os livros que eu ainda não adivinhei
nem queiras que eu saiba o que ainda não sou capaz de interrogar
Protege-me das incursões obrigatórias que sufocam o prazer da descoberta
e com o silêncio (intimamente sábio) das tuas palavras e dos teus gestos
ajuda-me serenamente a ler e a escrever a minha própria vida.
Ademar
publicado em "Descansando do Futuro (Reserva de Intimidade)", Asa, 2003
Uma torre, um rosto e a ponte entre ambos
Sandra
sabia que um amigo é um irmão que se escolhe.
Roberto
não tinha irmãos e lamentava-se…
Ela
vivia numa alta torre sem janelas... pelo menos para a rua…
Ele
era livre, mas estava preso a uma enorme vontade de conhecer o seu próprio
rosto. Sabia que apenas um espelho, um espelho verdadeiro, poderia satisfazer
esse seu íntimo e secreto desejo. Para Roberto cada pessoa servia de espelho
para as outras e percebia muito bem quando uma pessoa lhe estava a mentir.
Depois da primeira desilusão, ele não dava uma segunda oportunidade. Partia em
busca do seu verdadeiro rosto noutro espelho e sonhava, em cada nova pessoa que
conhecia, encontrar esse mesmo espelho.
Presa
na torre, Sandra era livre na sua forma de abarcar o tempo, o espaço e a
humanidade. Tinha, na música e na literatura, janelas e portas por onde entrava
e saía sempre que as paredes a estreitassem. Num dia em que ela cantava uma
música que falava de sorrisos e de feitiços, Roberto passou perto da torre onde
ela vivia. Ao ouvir aquela música, quis saber quem a cantava.
Começaram,
então, uma longa conversa que não poderia terminar nem que um dos dois morresse
porque era tão agradável que, apesar de alguns períodos de silêncio, nenhum se
esquecia do outro. Assim, a conversa retomava sempre que o acaso quisesse...
Entretanto,
com inocência, com malícia e com muita paciência foram estreitando laços que os
tornaram cada vez mais cúmplices.
Com o
tempo e a impossibilidade de ver Sandra, pois a torre não tinha janelas para a
rua, Roberto decidiu usar a imaginação para criar uma imagem do rosto dela.
Quando
terminou a sua obra-prima, olhou-a com espanto ao perceber que era o rosto que
ele sempre procurara em todos os espelhos.
Era
realmente um rosto extraordinário!
quinta-feira, 15 de junho de 2017
quarta-feira, 14 de junho de 2017
Linha do equador...
Françoise Nielly |
seria impossível
abraçar-te
(em hemisférios distintos)
haverá um tempo
um espaço
e um paralelo
neste silêncio compartilhado
a fronteira do que nunca se diz...
Maria José Meireles
terça-feira, 13 de junho de 2017
Pensamento do dia...
Maria José Meireles
segunda-feira, 12 de junho de 2017
quinta-feira, 8 de junho de 2017
Mãe
Mãe:
Que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?
Como as estátuas, que são gente nossa
Cansada de palavras e ternura,
Assim tu me pareces no teu leito.
Presença cinzelada em pedra dura,
Que não tem coração dentro do peito.
Chamo aos gritos por ti — não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio.
Mãe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!
Miguel Torga, in 'Diário IV'