segunda-feira, 31 de julho de 2017
domingo, 30 de julho de 2017
sábado, 29 de julho de 2017
Rei do mar
Âncora é outro falar...
Tempo que navegaremos
não se pode calcular.
Vimos as Plêiades. Vemos
agora a Estrela Polar.
Muitas velas. Muitos remos.
Curta Vida. Longo Mar.
Por água brava ou serena
deixamos nosso cantar,
vendo a voz como é pequena
sobre o comprimento do ar.
Se alguém ouvir, temos pena:
só cantamos para o mar...
Nem tormenta nem tormento
nos poderia parar.
(Muitas velas. Muitos remos.
Âncora é outro falar...)
Andamos entre água e vento
procurando o Rei do Mar.
Cecília Meireles
sexta-feira, 28 de julho de 2017
domingo, 23 de julho de 2017
Improviso tardio para Mumuki…
digo-te
morreremos amanhã
ou talvez depois
sobre a eternidade em Veneza
a Veneza de todos os regressos adiados
não sei de nenhuma certeza
tão exigente como esta
e tão sábia.
Ademar
Regresso...
sempre
aqui
quando a alma
está faminta.
Este canto
é alimento
e há em mim
um piano
que não se quer
abandonado.
Maria José Meireles
Improviso para simplificar a escrita...
dir-te-ia
não forces as palavras
deixa que elas te visitem
como se simplesmente
regressassem a ti
depois de uma longa viagem
as palavras habitam-nos
quem se escreve
não se procura.
Ademar
sábado, 22 de julho de 2017
Teresinha Ópera do Malandro de Chico Buarque
O primeiro me chegou
Como quem vem do florista:
Trouxe um bicho de pelúcia,
Trouxe um broche de ametista.
Me contou suas viagens
E as vantagens que ele tinha.
Me mostrou o seu relógio;
Me chamava de rainha.
Me encontrou tão desarmada,
Que tocou meu coração,
Mas não me negava nada
E, assustada, eu disse "não".
O segundo me chegou
Como quem chega do bar:
Trouxe um litro de aguardente
Tão amarga de tragar.
Indagou o meu passado
E cheirou minha comida.
Vasculhou minha gaveta;
Me chamava de perdida.
Me encontrou tão desarmada,
Que arranhou meu coração,
Mas não me entregava nada
E, assustada, eu disse "não".
O terceiro me chegou
Como quem chega do nada:
Ele não me trouxe nada,
Também nada perguntou.
Mal sei como ele se chama,
Mas entendo o que ele quer!
Se deitou na minha cama
E me chama de mulher.
Foi chegando sorrateiro
E antes que eu dissesse não,
Se instalou feito posseiro
Dentro do meu coração.
Composição: Chico Buarque/Maria Bethânia
sexta-feira, 21 de julho de 2017
Homenagem à Amizade
Lembrei-me de um trecho de Jean-Christophe, que li quando era jovem, e do qual nunca me esqueci. Romain Rolland descreve a primeira experiência com a amizade do seu herói adolescente. Já conhecera muitas pessoas nos curtos anos de sua vida. Mas o que experimentava naquele momento era diferente de tudo o que já sentira antes.
Pela primeira vez, estando com alguém, não sentia necessidade de falar. Bastava a alegria de estarem juntos, um ao lado do outro.
“Christophe voltou sozinho dentro da noite. Seu coração cantava ‘Tenho um amigo, tenho um amigo!’ Nada via. Nada ouvia. Não pensava em mais nada. Estava morto de sono e adormeceu apenas deitou-se. Mas durante a noite foi acordado duas ou três vezes, como que por uma idéia fixa. Repetia para si mesmo: ‘Tenho um amigo’, e tornava a adormecer.”
Jean-Christophe compreendera a essência da amizade. Amiga é aquela pessoa em cuja companhia não é preciso falar. Você tem aqui um teste para saber quantos amigos você tem. Se o silêncio entre vocês dois lhe causa ansiedade, se quando o assunto foge você se põe a procurar palavras para encher o vazio e manter a conversa animada, então a pessoa com quem você está não é amiga. Porque um amigo é alguém cuja presença procuramos não por causa daquilo que se vai fazer juntos, seja bater papo, comer, jogar ou tramar. Até que tudo isso pode acontecer. Mas a diferença está em que, quando a pessoa não é amiga, terminado o alegre e animado programa, vêm o silêncio e o vazio - que são insuportáveis. Nesse momento, o outro se transforma num incômodo que entulha o espaço e cuja despedida se espera com ansiedade.
Com o amigo é diferente. Não é preciso falar. Basta a alegria de estarem juntos, um ao lado do outro. Amigo é alguém cuja simples presença traz alegria independentemente do que se faça ou diga. A amizade anda por caminhos que não passam pelos programas.
Uma estória oriental conta de uma árvore solitária que se via no alto da montanha. Não tinha sido sempre assim. Em tempos passados, a montanha estivera coberta de árvores maravilhosas, altas e esguias, que os lenhadores cortaram e venderam. Mas aquela árvore era torta, não podia ser transformada em tábuas. Inútil para os seus propósitos, os lenhadores a deixaram lá. Depois vieram os caçadores de essências em busca de madeiras perfumadas. Mas a árvore torta, por não ter cheiro algum, foi desprezada e lá ficou. Por ser inútil, sobreviveu. Hoje ela está sozinha na montanha. Os viajantes se assentam sob a sua sombra e descansam.
Um amigo é como aquela árvore. Vive de sua inutilidade. Pode até ser útil eventualmente, mas não é isso que o torna um amigo. Sua inútil e fiel presença silenciosa torna a nossa solidão uma experiência de comunhão. Diante do amigo sabemos que não estamos sós. E alegria maior não pode existir.
RUBEM ALVES
quinta-feira, 20 de julho de 2017
No terceiro dia...
Sim
sabia que te encontrava
no terceiro dia
estava escrito
nas entrelinhas
da minha alma.
Maria José Meireles
Improviso para recontar La Traviata...
Todas as mulheres foram margaridas ou violetas
num capítulo qualquer de um libreto
para Verdi
e trouxeram no peito uma camélia
e deram a beber do seu vinho
a todos os homens com sede
e a nenhum
senão o único
tiro tudo de casa dizes
pinto o tecto e as paredes
deixo apenas uma tela no lugar do corpo
onde os teus olhos repousem
e uma jarra que anuncie a primavera
e um berço talvez por estrear
tenha a forma que tiver
dois poemas podem cruzar-se
num.
Ademar
quarta-feira, 19 de julho de 2017
Improviso sinóptico...
e servir-me de todas
ou servir-te
nenhuma noite cabe inteira na boca
mesmo a retalho.
Ademar
Convida-me só para jantar - Ana Goês
Convida-me só para jantar
num restaurante sossegado
numa mesa de canto
e fala devagar
e fala devagar
eu quero comer uma sopa quente
não quero comer mariscos
os mariscos atravancam-me o prato
e estou cansada para os afastar
fala assim devagar
devagar
não é preciso dizeres que sou bonita
mas não me fales de economia e de política
fala assim devagar
devagar
deita-me o vinho devagar
quando o meu copo já estiver vazio.
Estou convalescente
sou convalescente
não é preciso que o percebas
mas por favor não faças força em mim.
Fala, estás-me a dar de jantar
estás-me a pôr recostada à almofada
estás-me a fazer sorrir ao longe.
366 Poemas que Falam de Amor (antologia organizada por Vasco Graça Moura)
terça-feira, 18 de julho de 2017
segunda-feira, 17 de julho de 2017
Improviso em forma de haiku para dizer a contingência...
ainda que no caminho tortuoso das palavras
os gestos tropeçam sempre na memória.
Ademar
domingo, 16 de julho de 2017
sábado, 15 de julho de 2017
Pensamento do dia...
Edna Frigato
quinta-feira, 13 de julho de 2017
terça-feira, 11 de julho de 2017
Mas de quê? De vinho, de poesia, de boa música ou de virtude, à vossa maneira. Mas embriagai-vos.
E se, alguma vez, nos degraus de um palácio, sobre a grama verde de um precipício, na solidão morna do vosso quarto, vós acordardes, a embriaguez já diminuída ou desaparecida, perguntai ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que foge, a tudo que geme, a tudo que anda, a tudo que canta, a tudo que fala, perguntai que horas são; e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio, responder-vos-ão: 'É hora de embriagar-vos! Para não serdes os escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos: embriagai-vos sem cessar! De vinho, de poesia, de boa música ou de virtude, à vossa maneira'."
Charles Baudelaire
domingo, 9 de julho de 2017
Uma estória
Macário
era um menino a quem a mãe disse que devia estudar para ser alguém.
O
menino nunca pensou que a mãe o enganava.
Muito
menos a mãe pensava que estava a enganar o filho.
Sempre
tinha ouvido dizer que era assim e, se todos diziam, é porque estava certo.
A mãe,
Patrocínia, só queria o melhor para o seu menino e pensava desta forma ajudá-lo
a conquistar um bom futuro, pelo menos melhor do que o dela.
Mas Macário
cresceu e, embora nunca tivesse lido nem ouvido em lugar nenhum, senão no fundo
do seu coração, descobriu sozinho que já era alguém desde o dia em que o pai
dele escolheu um título para o poema que a sua mãe escreveu. Foi, então, que o
menino aprendeu a ver-se com um outro olhar e o mundo inteiro ficou diferente.
Tudo
ficou mais simples e mais bonito!
Maria José Meireles
sábado, 8 de julho de 2017
Amalia Bautista
que nos doem de verdade, e muito poucas
as que conseguem alegrar a alma.
E são também muito poucas as pessoas
que nos fazem bater o coração, e menos
ainda as que o tocam muito tempo.
No fim de contas, são pouquíssimas as coisas
que na verdade importam nesta vida:
poder amar alguém e ser amado,
e não morrer depois dos nossos filhos.
quinta-feira, 6 de julho de 2017
ANIVERSÁRIO
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim mesmo,
O que fui de coração e parentesco,
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino.
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa.
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
Álvaro de Campos
quarta-feira, 5 de julho de 2017
A menina e a fada madrinha
Maria
era uma menina muito traquina, mas muito boa menina e havia uma fada malvada
que queria controlar as suas traquinices.
Ora a
fada malvada, Mafalda, teve a ousadia de dizer à boa menina que ela era má e
que, se continuasse a fazer traquinices, acabaria sozinha.
A
menina traquina, ingenuamente, informou a fada malvada que preferia ficar só do
que ficar mal acompanhada.
Mafalda
aproveitou essa informação preciosa e, a cada traquinice, desejava que a boa
menina fosse cercada de más companhias.
E
assim vivia Maria, sempre traquina, sempre ingénua e cada vez mais cercada por
más companhias até que um dia… ganhou medo da solidão.
Com
medo, a menina já quase nem era traquina e já quase nem era uma boa menina.
Foi,
então, que Maria encontrou uma fada madrinha que percebeu que a menina era
muito traquina e muito boa menina, mas que tinha medo da solidão.
Ora a
fada madrinha, Ritinha, que era uma solitária, mostrou à menina que a solidão
nada tem de medonho e que até pode ser muito agradável. Ensinou-lhe, também,
que era muito importante saber estar só. Ela dizia que, quem não sabe estar só,
não pode ser uma boa companhia.
Assim,
Maria começou por treinar a solidão aos poucos até perder o medo de estar só.
Depois
descobriu o prazer da comunhão com a Natureza que só se pode experimentar com
alguma solidão.
Descobriu,
igualmente, que sozinha conseguia ouvir música e ler com uma concentração maior
e que a sua traquinice ganhava asas em formas criativas de pensar...
E a
menina aprendeu a arte de ser feliz, como no poema de Cecília Meireles,
aprendeu a olhar e a ver as pequenas felicidades certas.