À sombra da criança a sombra não existe.
o tempo já não é tempo e as janelas abrem para fora dos pilares do ar.
as crianças apaziguam-nos os olhos como um organismo vivo
ou como a cicatriz de uma folha que partiu pela primavera fora.
e chegam-nos com chaves por uma fenda horária do arco-íris
habitando-nos com búzios e peixes prismáticos na fechadura das portas.
e são aéreas. e terrestres. e fazem-nos subir as lágrimas através do espelho do fogo
- através de pseudópodes, urtigas, saltos, unhas concêntricas cravadas na terra. -
viajam também através de labirintos, quedas d’ água, desertos,
cavernas sonoras, por ritmos incalculáveis
e depositam claridades no pólen dos lábios.
as crianças falam-nos de uma outra língua,
parente da poesia,
e encostamos o ouvido às suas janelas,
aos seus ovos de geleia real.
procuramos água, interstícios, fontes, uma palavra invisível e imóvel.
às vezes uma formiga é uma questão sonora
e as crianças atingem o mais alto grau de cintilação na língua.
o sonho é a sua substância primordial.
as crianças nunca falam do poema em voz alta.
praticam-no dentro do corpo e não precisam de o escrever em nenhum papel.
Aspiram ao íntimo dos livros com a boca no turbilhão dos nomes.
maria azenha
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