A boca fala do que está cheio o coração": esse é um ditado
da sabedoria judaica que se encontra nas escrituras sagradas. Bem que
poderia ser a explicação sumária daquilo que a psicanálise tenta fazer:
ouvir o que a boca fala para chegar ao que o coração sente. Acontece
comigo. Cada texto é uma revelação do coração de quem escreve.
Pois o meu coração ficou cheio com uma coisa que me disse minha
neta Camila, de 11 anos. O que ela falou fez meu coração doer. Como
resultado, fico pensando e falando sempre a mesma coisa.
A Camila estava na sala de televisão sozinha, chorando. Fui conversar
com ela para saber o que estava acontecendo. E foi isso que ela me
disse: "Vovô, quando eu vejo uma pessoa sofrendo, eu sofro também.
O meu coração fica com o coração dela".
Percebi que o coração da Camila conhecia aquilo que se chama
"compaixão". Compaixão, no seu sentido etimológico, quer dizer "sofrer
com". Não estou sofrendo, mas vejo uma pessoa sofrer. Aí, eu sofro com
ela. Ponho o outro dentro de mim. Esse é o sentido do amor:
ter o outro dentro da gente. O apóstolo Paulo escreveu que posso dar
tudo o que tenho aos pobres, mas, se me faltar o amor, nada serei,
porque posso dar com as mãos sem que o coração sinta.
Rubem Alves
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