sábado, 30 de junho de 2018

Endechas a Bárbara escrava

Aquela cativa
Que me tem cativo,
Porque nela vivo
Já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
Em suaves molhos,
Que pera meus olhos
Fosse mais fermosa.

Nem no campo flores,
Nem no céu estrelas
Me parecem belas
Como os meus amores.
Rosto singular,
Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas não de matar.

U~a graça viva,
Que neles lhe mora,
Pera ser senhora
De quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são belos.

Pretidão de Amor,
Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda mansidão,
Que o siso acompanha;
Bem parece estranha,
Mas bárbara não.

Presença serena
Que a tormenta amansa;
Nela, enfim, descansa
Toda a minha pena.
Esta é a cativa
Que me tem cativo;
E. pois nela vivo,
É força que viva.

Luís de Camões

quinta-feira, 28 de junho de 2018

Rui Moura Baía - Rua de Nossa Senhora do Leite

domingo, 24 de junho de 2018

sábado, 23 de junho de 2018

sexta-feira, 22 de junho de 2018

chega-me ao ouvido um lamento comedido
uma doce canção de embalar perdida nos tempos idos
que hoje ninguém sabe cantar
[se é uma canção de embalar não poderá ser um lamento]
se nestas terras é o verão que chega, noutras é o inverno que começa
e a voz doce e trémula vai percorrendo o espaço
ouço-a, ora claramente ora imperceptível
[se não está ninguém contigo, nada podes ouvir]

a chuva parou, não tenho fome, nem sede sei ter
os primeiros raios de sol rasgam as nuvens pesadas
não quero ouvir os que de mim se acercam, apenas aquela canção de embalar

LauraAlberto
Grata
pelo sabor
da semente
que fui
confio-me
ao silêncio
da solidão
com esperança
na humanidade.

Maria José Meireles

quinta-feira, 21 de junho de 2018

[Quando vier a primavera,], Alberto Caeiro - Valdemar Santos

Encomenda

Desejo uma fotografia
como esta - o senhor vê? - como esta:
em que para sempre me ria
como um vestido de eterna festa.

Como tenho a testa sombria,
derrame luz na minha testa.
Deixe esta ruga, que me empresta
um certo ar de sabedoria.

Não meta fundos de floresta
nem de arbitrária fantasia...
Não... Neste espaço que ainda resta,
ponha uma cadeira vazia.

Cecília Meireles

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Poemas São como Vitrais Pintados

Poemas São como Vitrais Pintados

Poemas são como vitrais pintados!
Se olharmos da praça para a igreja,
Tudo é escuro e sombrio;
E é assim que o Senhor Burguês os vê.
Ficará agastado? — Que lhe preste!...
E agastado fique toda a vida!

Mas — vamos! — vinde vós cá para dentro,
Saudai a sagrada capela!
De repente tudo é claro de cores:
Súbito brilham histórias e ornatos;
Sente-se um presságio neste esplendor nobre;
Isto, sim, que é pra vós, filhos de Deus!
Edificai-vos, regalai os olhos!

Johann Wolfgang von Goethe, in "Poemas"
Tradução de Paulo Quintela

Frame 4:33 - Os amantes crucificados

segunda-feira, 18 de junho de 2018


Dentro
de uma bola
de sabão
lilás
regresso
agora
à sabedoria
do silêncio
que escuta.


Maria José Meireles

domingo, 17 de junho de 2018

Sim
regressas-me
à origem
de todos
os universos
e és ainda
o melhor
abraço.

Maria José Meireles

sábado, 16 de junho de 2018

Autobiografia em cinco pequenos capítulos

I
Ando numa rua.
Há um grande buraco no passeio.
Caio no buraco.
Sinto-me perdido…
Impotente.
A culpa não é minha.
Uma eternidade até que consiga sair do buraco.

II
Caminho na mesma rua.
Há um grande buraco no passeio.
Faço de conta que não o vejo.
Volto a cair no buraco.
Nem quero acreditar que foi no mesmo sítio.
Mas a culpa não é minha.
Vai ser preciso ainda muito tempo para sair do buraco.

III
Ando na mesma rua.
Há um grande buraco no passeio. 
Vejo-o muito bem.
Mesmo assim caio…
Tornou-se um hábito!
Sei onde estou.
A culpa é minha.
Saio do buraco imediatamente.

IV
Ando na mesma rua.
Há um grande buraco.
Contorno-o.

V
Sigo por outra rua.

Portia Nelson (trad. Luis Aguilar)

sexta-feira, 15 de junho de 2018

Flor de Jade...

1. Talhar a refeição
antes de ser alimento
2. equilibrar a sorte
antes de acabar
3. passar o testemunho
antes de ser
tarde demais.

Maria José Meireles

quinta-feira, 14 de junho de 2018

quarta-feira, 13 de junho de 2018

Curiosidades estéticas

O mais importante na vida
É ser-se criador - criar beleza.

Para isso,
É necessário pressenti-la
Aonde os nossos olhos não a virem.

Eu creio que sonhar o impossível
É como que ouvir a voz de alguma coisa
Que pede existência e que nos chama de longe.

Sim, o mais importante na vida
É ser-se criador.

E para o impossível
Só devemos caminhar de olhos fechados
Como a fé e como o amor.

António Botto (1897-1959), "O mais importante" in Canções (1920)

sábado, 9 de junho de 2018

sexta-feira, 1 de junho de 2018