quarta-feira, 13 de dezembro de 2017
sábado, 2 de dezembro de 2017
sexta-feira, 1 de dezembro de 2017
domingo, 19 de novembro de 2017
quinta-feira, 9 de novembro de 2017
Estrela cadente...
como desaparece
e eu não sei mais
o que possa desejar
se já existes.
Maria José Meireles
sábado, 28 de outubro de 2017
segunda-feira, 23 de outubro de 2017
sábado, 21 de outubro de 2017
sábado, 14 de outubro de 2017
sexta-feira, 13 de outubro de 2017
Energia e Ética
Para a palavra fazer, gosto da ideia da construção
E o que dela existe nos movimentos normais.
Agrada-me a palavra engenharia e o que ela
Representa: não saias de um sítio sem deixares algo
Atrás de ti. Dirijo-me apenas às coisas que me excitam
Positivamente e me levam a fazer outras coisas, dirijo-me
Às pessoas de que gosto, nunca às de que não gosto;
Sempre me pareceu insensato que se pare,
Nem que por um momento, de admirar, há
Sempre actos e coisas que nos ajudam
neste cálculo infernal da distância entre o dia de hoje
e a nossa morte. E qualquer pessoa dar um passo que seja
em direcção ao que não aprecia, para insultar, ou derrubar,
parece-me brutal perda de tempo, uma falha grave
no órgão de admirar o mundo
(deves combater uma ou duas vezes na vida,
se combateres duzentas vezes
é porque os combates são fracos).
Não sei pois como viver. O que li e vi
Serve-me apenas para ser mais lúcido, não
Para ser melhor pessoa. Adquiri esta regra (ou nasci com ela):
- e é talvez uma moral -
mover-me apenas em direcção ao que gosto.
Se o prédio alto, escuro, feio
me impede de ver o sol, não fico a insultá-lo, não
moverei um dedo para o deitar abaixo:
contorno sim os edifícios necessários
até chegar ao espaço de onde possa receber aquilo que
quero. Se chegar lá de noite, montarei acampamento.
Gonçalo M. Tavares, in "Poesia" (2004)
segunda-feira, 2 de outubro de 2017
Texto de opinião...
Estava no quinto ano, entrei na sala ainda com o manual de ciências na mão, tentava de todas as formas decorar a matéria, embora soubesse que estar a rever a matéria uns minutos antes do teste de nada me servia.
Dirigi-me ao meu lugar e arrumei o livro. Em cima da mesa aguardavam apenas a minha esferográfica azul, o lápis e a borracha, como sempre, toda riscada.
A insegurança que sentia naquele momento traduzia-se na borracha, outrora apenas riscada, que agora se multiplicava em pedaços mais pequenos, assim como no número invulgar de canetas que surgiam na minha mesa, para a eventualidade de alguma falhar. Por fim, já com o enunciado na mesa, a professora fez sinal para que começássemos.
Para ser sincera, não me lembro se o teste me correu bem ou mal. Apenas recordo o meu colega da frente que, à mínima distração da professora, retirou debaixo da mesa um papel rapidamente. Devido às circunstâncias, percebi do que se tratava. Confesso que fiquei algo aborrecida com o que havia sucedido. No entanto, ignorei e procurei concentrar-me no meu teste.
Uma semana depois, como de costume, a professora de ciências entrou na sala e escreveu o sumário: "Entrega e correção da ficha de avaliação". Inevitavelmente desencadeou uma onda de inquietação. Após cerca de dez minutos, já corriam pela sala os resultados e, consequentemente, o ruído aumentava exponencialmente só parando após a ameaça de trabalho de casa extra por parte da professora. Então o silêncio foi imediato.
Foi nesse momento que fui surpreendida com a notícia de que a melhor nota da turma havia sido do meu colega da frente.
Demorei algum tempo a refletir sobre o assunto e, por fim, cheguei à conclusão de que copiar, por vezes, é a solução e, para alguns, a única.
sábado, 23 de setembro de 2017
domingo, 17 de setembro de 2017
sábado, 16 de setembro de 2017
Mel...
de silêncio
depois de muitos séculos
de duras penas
conseguiu refazer-se
e recuperar as palavras
para lhe dizer ainda:
nos teus olhos
reencontro
toda a doçura
que agora me negas.
Maria José Meireles
quarta-feira, 13 de setembro de 2017
domingo, 10 de setembro de 2017
quinta-feira, 7 de setembro de 2017
Pensamento do dia...
Albert Einstein
sexta-feira, 1 de setembro de 2017
domingo, 27 de agosto de 2017
segunda-feira, 21 de agosto de 2017
sábado, 19 de agosto de 2017
Improviso diurno para dizer improbabilidades...
um último cigarro
um último gole de whisky
e uma vez mais
Salve Regina
Haydn para amantes silenciosos
e improváveis
como foram sempre todos os amantes
que nunca chegaram a ser
não voltarei a dizer-te os poemas
que nem tu sabias
que tinham sido escritos para ti
não voltarei a acampar nos teus desertos
a fugir das palavras com que me acenavas
da outra margem dos dias envergonhados
morri precisamente na hora em que nasceste.
Ademar
sexta-feira, 18 de agosto de 2017
Improviso para te dizer ainda Barcelona...
a poesia é a arte superior
da imobilidade
subo e desço as Ramblas
todas as noites
e raramente te encontro
senão nos gestos suspensos
da estátua que todos fotografam
e levam para casa
és tu
e nenhum outro silêncio
tem a eloquência do teu olhar
e uma tão perfeita inexistência.
Ademar
quinta-feira, 17 de agosto de 2017
domingo, 13 de agosto de 2017
sexta-feira, 11 de agosto de 2017
segunda-feira, 7 de agosto de 2017
domingo, 6 de agosto de 2017
Acontecer...
Fiquei cativa
de um crime
que prescreveu...
Entreguei-me
para cumprir a pena
mas ninguém quis
o problema...
Então recolho-me
procuro-me
e pergunto-me:
o que espero?
Maria José Meireles
quinta-feira, 3 de agosto de 2017
quarta-feira, 2 de agosto de 2017
Improviso sobre o silêncio...
Sou despojado de metáforas
que não rimem com a minha natureza
sou distraído de realidades que ignorem
a exacta condição humana a que pertenço.
Escrevo para dentro
porque não tenho entendimento para fora
as pontes que almejo atravessar
aproximam apenas as fronteiras do que sinto.
Não tenho urgências de visto e passaporte
viajo silenciosamente nos interiores de mim
e só venho à superfície
para confirmar que tu me esperas.
Ademar
Sonata ao luar
Sombra Boa não tinha e-mail.
Escreveu um bilhete:
Maria me espera debaixo do ingazeiro
quando a lua tiver arta.
Amarrou o bilhete no pescoço do cachorro
e atiçou:
Vai Ramela, passa!
Ramela alcançou a cozinha num átimo.
Maria leu e sorriu.
Quando a lua ficou arta Maria estava.
E o amor se fez
Sob um luar sem defeito de abril.
Manoel de Barros
Linhas Tortas - CD Crianceiras - Manoel De Barros
Se eu tivesse uma perna mais curta, todo mundo haveria de olhar para mim: lá vai o menino torto subindo a ladeira do beco toc ploc toc ploc.
Eu seria um destaque. A própria sagração do Eu.
Manoel de Barros
segunda-feira, 31 de julho de 2017
domingo, 30 de julho de 2017
sábado, 29 de julho de 2017
Rei do mar
Âncora é outro falar...
Tempo que navegaremos
não se pode calcular.
Vimos as Plêiades. Vemos
agora a Estrela Polar.
Muitas velas. Muitos remos.
Curta Vida. Longo Mar.
Por água brava ou serena
deixamos nosso cantar,
vendo a voz como é pequena
sobre o comprimento do ar.
Se alguém ouvir, temos pena:
só cantamos para o mar...
Nem tormenta nem tormento
nos poderia parar.
(Muitas velas. Muitos remos.
Âncora é outro falar...)
Andamos entre água e vento
procurando o Rei do Mar.
Cecília Meireles
sexta-feira, 28 de julho de 2017
domingo, 23 de julho de 2017
Improviso tardio para Mumuki…
digo-te
morreremos amanhã
ou talvez depois
sobre a eternidade em Veneza
a Veneza de todos os regressos adiados
não sei de nenhuma certeza
tão exigente como esta
e tão sábia.
Ademar
Regresso...
sempre
aqui
quando a alma
está faminta.
Este canto
é alimento
e há em mim
um piano
que não se quer
abandonado.
Maria José Meireles
Improviso para simplificar a escrita...
dir-te-ia
não forces as palavras
deixa que elas te visitem
como se simplesmente
regressassem a ti
depois de uma longa viagem
as palavras habitam-nos
quem se escreve
não se procura.
Ademar
sábado, 22 de julho de 2017
Teresinha Ópera do Malandro de Chico Buarque
O primeiro me chegou
Como quem vem do florista:
Trouxe um bicho de pelúcia,
Trouxe um broche de ametista.
Me contou suas viagens
E as vantagens que ele tinha.
Me mostrou o seu relógio;
Me chamava de rainha.
Me encontrou tão desarmada,
Que tocou meu coração,
Mas não me negava nada
E, assustada, eu disse "não".
O segundo me chegou
Como quem chega do bar:
Trouxe um litro de aguardente
Tão amarga de tragar.
Indagou o meu passado
E cheirou minha comida.
Vasculhou minha gaveta;
Me chamava de perdida.
Me encontrou tão desarmada,
Que arranhou meu coração,
Mas não me entregava nada
E, assustada, eu disse "não".
O terceiro me chegou
Como quem chega do nada:
Ele não me trouxe nada,
Também nada perguntou.
Mal sei como ele se chama,
Mas entendo o que ele quer!
Se deitou na minha cama
E me chama de mulher.
Foi chegando sorrateiro
E antes que eu dissesse não,
Se instalou feito posseiro
Dentro do meu coração.
Composição: Chico Buarque/Maria Bethânia
sexta-feira, 21 de julho de 2017
Homenagem à Amizade
Lembrei-me de um trecho de Jean-Christophe, que li quando era jovem, e do qual nunca me esqueci. Romain Rolland descreve a primeira experiência com a amizade do seu herói adolescente. Já conhecera muitas pessoas nos curtos anos de sua vida. Mas o que experimentava naquele momento era diferente de tudo o que já sentira antes.
Pela primeira vez, estando com alguém, não sentia necessidade de falar. Bastava a alegria de estarem juntos, um ao lado do outro.
“Christophe voltou sozinho dentro da noite. Seu coração cantava ‘Tenho um amigo, tenho um amigo!’ Nada via. Nada ouvia. Não pensava em mais nada. Estava morto de sono e adormeceu apenas deitou-se. Mas durante a noite foi acordado duas ou três vezes, como que por uma idéia fixa. Repetia para si mesmo: ‘Tenho um amigo’, e tornava a adormecer.”
Jean-Christophe compreendera a essência da amizade. Amiga é aquela pessoa em cuja companhia não é preciso falar. Você tem aqui um teste para saber quantos amigos você tem. Se o silêncio entre vocês dois lhe causa ansiedade, se quando o assunto foge você se põe a procurar palavras para encher o vazio e manter a conversa animada, então a pessoa com quem você está não é amiga. Porque um amigo é alguém cuja presença procuramos não por causa daquilo que se vai fazer juntos, seja bater papo, comer, jogar ou tramar. Até que tudo isso pode acontecer. Mas a diferença está em que, quando a pessoa não é amiga, terminado o alegre e animado programa, vêm o silêncio e o vazio - que são insuportáveis. Nesse momento, o outro se transforma num incômodo que entulha o espaço e cuja despedida se espera com ansiedade.
Com o amigo é diferente. Não é preciso falar. Basta a alegria de estarem juntos, um ao lado do outro. Amigo é alguém cuja simples presença traz alegria independentemente do que se faça ou diga. A amizade anda por caminhos que não passam pelos programas.
Uma estória oriental conta de uma árvore solitária que se via no alto da montanha. Não tinha sido sempre assim. Em tempos passados, a montanha estivera coberta de árvores maravilhosas, altas e esguias, que os lenhadores cortaram e venderam. Mas aquela árvore era torta, não podia ser transformada em tábuas. Inútil para os seus propósitos, os lenhadores a deixaram lá. Depois vieram os caçadores de essências em busca de madeiras perfumadas. Mas a árvore torta, por não ter cheiro algum, foi desprezada e lá ficou. Por ser inútil, sobreviveu. Hoje ela está sozinha na montanha. Os viajantes se assentam sob a sua sombra e descansam.
Um amigo é como aquela árvore. Vive de sua inutilidade. Pode até ser útil eventualmente, mas não é isso que o torna um amigo. Sua inútil e fiel presença silenciosa torna a nossa solidão uma experiência de comunhão. Diante do amigo sabemos que não estamos sós. E alegria maior não pode existir.
RUBEM ALVES
quinta-feira, 20 de julho de 2017
No terceiro dia...
Sim
sabia que te encontrava
no terceiro dia
estava escrito
nas entrelinhas
da minha alma.
Maria José Meireles
Improviso para recontar La Traviata...
Todas as mulheres foram margaridas ou violetas
num capítulo qualquer de um libreto
para Verdi
e trouxeram no peito uma camélia
e deram a beber do seu vinho
a todos os homens com sede
e a nenhum
senão o único
tiro tudo de casa dizes
pinto o tecto e as paredes
deixo apenas uma tela no lugar do corpo
onde os teus olhos repousem
e uma jarra que anuncie a primavera
e um berço talvez por estrear
tenha a forma que tiver
dois poemas podem cruzar-se
num.
Ademar
quarta-feira, 19 de julho de 2017
Improviso sinóptico...
e servir-me de todas
ou servir-te
nenhuma noite cabe inteira na boca
mesmo a retalho.
Ademar
Convida-me só para jantar - Ana Goês
Convida-me só para jantar
num restaurante sossegado
numa mesa de canto
e fala devagar
e fala devagar
eu quero comer uma sopa quente
não quero comer mariscos
os mariscos atravancam-me o prato
e estou cansada para os afastar
fala assim devagar
devagar
não é preciso dizeres que sou bonita
mas não me fales de economia e de política
fala assim devagar
devagar
deita-me o vinho devagar
quando o meu copo já estiver vazio.
Estou convalescente
sou convalescente
não é preciso que o percebas
mas por favor não faças força em mim.
Fala, estás-me a dar de jantar
estás-me a pôr recostada à almofada
estás-me a fazer sorrir ao longe.
366 Poemas que Falam de Amor (antologia organizada por Vasco Graça Moura)
terça-feira, 18 de julho de 2017
segunda-feira, 17 de julho de 2017
Improviso em forma de haiku para dizer a contingência...
ainda que no caminho tortuoso das palavras
os gestos tropeçam sempre na memória.
Ademar
domingo, 16 de julho de 2017
sábado, 15 de julho de 2017
Pensamento do dia...
Edna Frigato
quinta-feira, 13 de julho de 2017
terça-feira, 11 de julho de 2017
Mas de quê? De vinho, de poesia, de boa música ou de virtude, à vossa maneira. Mas embriagai-vos.
E se, alguma vez, nos degraus de um palácio, sobre a grama verde de um precipício, na solidão morna do vosso quarto, vós acordardes, a embriaguez já diminuída ou desaparecida, perguntai ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que foge, a tudo que geme, a tudo que anda, a tudo que canta, a tudo que fala, perguntai que horas são; e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio, responder-vos-ão: 'É hora de embriagar-vos! Para não serdes os escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos: embriagai-vos sem cessar! De vinho, de poesia, de boa música ou de virtude, à vossa maneira'."
Charles Baudelaire
domingo, 9 de julho de 2017
Uma estória
Macário
era um menino a quem a mãe disse que devia estudar para ser alguém.
O
menino nunca pensou que a mãe o enganava.
Muito
menos a mãe pensava que estava a enganar o filho.
Sempre
tinha ouvido dizer que era assim e, se todos diziam, é porque estava certo.
A mãe,
Patrocínia, só queria o melhor para o seu menino e pensava desta forma ajudá-lo
a conquistar um bom futuro, pelo menos melhor do que o dela.
Mas Macário
cresceu e, embora nunca tivesse lido nem ouvido em lugar nenhum, senão no fundo
do seu coração, descobriu sozinho que já era alguém desde o dia em que o pai
dele escolheu um título para o poema que a sua mãe escreveu. Foi, então, que o
menino aprendeu a ver-se com um outro olhar e o mundo inteiro ficou diferente.
Tudo
ficou mais simples e mais bonito!
Maria José Meireles
sábado, 8 de julho de 2017
Amalia Bautista
que nos doem de verdade, e muito poucas
as que conseguem alegrar a alma.
E são também muito poucas as pessoas
que nos fazem bater o coração, e menos
ainda as que o tocam muito tempo.
No fim de contas, são pouquíssimas as coisas
que na verdade importam nesta vida:
poder amar alguém e ser amado,
e não morrer depois dos nossos filhos.
quinta-feira, 6 de julho de 2017
ANIVERSÁRIO
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim mesmo,
O que fui de coração e parentesco,
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino.
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa.
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
Álvaro de Campos
quarta-feira, 5 de julho de 2017
A menina e a fada madrinha
Maria
era uma menina muito traquina, mas muito boa menina e havia uma fada malvada
que queria controlar as suas traquinices.
Ora a
fada malvada, Mafalda, teve a ousadia de dizer à boa menina que ela era má e
que, se continuasse a fazer traquinices, acabaria sozinha.
A
menina traquina, ingenuamente, informou a fada malvada que preferia ficar só do
que ficar mal acompanhada.
Mafalda
aproveitou essa informação preciosa e, a cada traquinice, desejava que a boa
menina fosse cercada de más companhias.
E
assim vivia Maria, sempre traquina, sempre ingénua e cada vez mais cercada por
más companhias até que um dia… ganhou medo da solidão.
Com
medo, a menina já quase nem era traquina e já quase nem era uma boa menina.
Foi,
então, que Maria encontrou uma fada madrinha que percebeu que a menina era
muito traquina e muito boa menina, mas que tinha medo da solidão.
Ora a
fada madrinha, Ritinha, que era uma solitária, mostrou à menina que a solidão
nada tem de medonho e que até pode ser muito agradável. Ensinou-lhe, também,
que era muito importante saber estar só. Ela dizia que, quem não sabe estar só,
não pode ser uma boa companhia.
Assim,
Maria começou por treinar a solidão aos poucos até perder o medo de estar só.
Depois
descobriu o prazer da comunhão com a Natureza que só se pode experimentar com
alguma solidão.
Descobriu,
igualmente, que sozinha conseguia ouvir música e ler com uma concentração maior
e que a sua traquinice ganhava asas em formas criativas de pensar...
E a
menina aprendeu a arte de ser feliz, como no poema de Cecília Meireles,
aprendeu a olhar e a ver as pequenas felicidades certas.
terça-feira, 4 de julho de 2017
segunda-feira, 26 de junho de 2017
domingo, 25 de junho de 2017
sexta-feira, 23 de junho de 2017
Improviso confidencial…
que quando uma fêmea confessa
que anda com muita energia
isso não significa
pelo menos necessariamente
que ande com tesão e com vontade de foder
os machos aliás
também em geral
percebem muito pouco de fêmeas
e dos seus estados ou estádios de alma
refiro-me ao râguebi naturalmente
já imagino que vais dizer
que o teu amante parcial
esse que tem uma casa de mulher
e só veste roupa azul e conservadora
palavras tuas
merecia uma entrada porventura
menos gongórica
e que o sangue pedido
tarda a escorrer da tela
se queres mesmo sangue
dir-te-ei que ainda não percebi
quando me fazes certas confidências
sobre sindicalistas aéreos
se estás a tentar-me ao ciúme
ou ao ménage à trois
com legendas em japonês.
Ademar
terça-feira, 20 de junho de 2017
segunda-feira, 19 de junho de 2017
Os Meus Sonhos São Mais Belos que a Conversa Alheia
sábado, 17 de junho de 2017
Porque
Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
Sophia de Mello Breyner Andresen
1969 - Luis Cília - "Não me peçam razões"
Ou darei quantas queiram: bem sabemos
Que razões são palavras, todas nascem
Da mansa hipocrisia que aprendemos.
Não me peçam razões por que se entenda
A força de maré que me enche o peito,
Este estar mal no mundo e nesta lei:
Não fiz a lei e o mundo não aceito.
Não me peçam razões, ou que as desculpe,
Deste modo de amar e destruir:
Quando a noite é de mais é que amanhece
A cor de primavera que há-de vir.
Improviso cartesiano…
é uma higiene dos sentidos
a humanidade
quer-se todos os dias interrogada
para não encardir.
Ademar
sexta-feira, 16 de junho de 2017
Antologia poética (6)...
Não cobiço nem disputo os teus olhos
não estou sequer à espera que me deixes ver através dos teus olhos
nem sei tão pouco se quero ver o que vêem e do modo como vêem os teus olhos
Nada do que possas ver me levará a ver e a pensar contigo
se eu não for capaz de aprender a ver pelos meus olhos e a pensar comigo
Não me digas como se caminha e por onde é o caminho
deixa-me simplesmente acompanhar-te quando eu quiser
Se o caminho dos teus passos estiver iluminado
pela mais cintilante das estrelas que espreitam as noites e os dias
mesmo que tu me percas e eu te perca
algures na caminhada certamente nos reencontraremos
Não me expliques como deverei ser
quando um dia as circunstâncias quiserem que eu me encontre
no espaço e no tempo de condições que tu entendes e dominas
Semeia-te como és e oferece-te simplesmente à colheita de todas as horas
Não me prendas as mãos
não faças delas instrumento dócil de inspirações que ainda não vivi
Deixa-me arriscar o barro talvez impróprio
na oficina onde ganham forma e paixão todos os sonhos que antecipam o futuro
E não me obrigues a ler os livros que eu ainda não adivinhei
nem queiras que eu saiba o que ainda não sou capaz de interrogar
Protege-me das incursões obrigatórias que sufocam o prazer da descoberta
e com o silêncio (intimamente sábio) das tuas palavras e dos teus gestos
ajuda-me serenamente a ler e a escrever a minha própria vida.
Ademar
publicado em "Descansando do Futuro (Reserva de Intimidade)", Asa, 2003
Uma torre, um rosto e a ponte entre ambos
Sandra
sabia que um amigo é um irmão que se escolhe.
Roberto
não tinha irmãos e lamentava-se…
Ela
vivia numa alta torre sem janelas... pelo menos para a rua…
Ele
era livre, mas estava preso a uma enorme vontade de conhecer o seu próprio
rosto. Sabia que apenas um espelho, um espelho verdadeiro, poderia satisfazer
esse seu íntimo e secreto desejo. Para Roberto cada pessoa servia de espelho
para as outras e percebia muito bem quando uma pessoa lhe estava a mentir.
Depois da primeira desilusão, ele não dava uma segunda oportunidade. Partia em
busca do seu verdadeiro rosto noutro espelho e sonhava, em cada nova pessoa que
conhecia, encontrar esse mesmo espelho.
Presa
na torre, Sandra era livre na sua forma de abarcar o tempo, o espaço e a
humanidade. Tinha, na música e na literatura, janelas e portas por onde entrava
e saía sempre que as paredes a estreitassem. Num dia em que ela cantava uma
música que falava de sorrisos e de feitiços, Roberto passou perto da torre onde
ela vivia. Ao ouvir aquela música, quis saber quem a cantava.
Começaram,
então, uma longa conversa que não poderia terminar nem que um dos dois morresse
porque era tão agradável que, apesar de alguns períodos de silêncio, nenhum se
esquecia do outro. Assim, a conversa retomava sempre que o acaso quisesse...
Entretanto,
com inocência, com malícia e com muita paciência foram estreitando laços que os
tornaram cada vez mais cúmplices.
Com o
tempo e a impossibilidade de ver Sandra, pois a torre não tinha janelas para a
rua, Roberto decidiu usar a imaginação para criar uma imagem do rosto dela.
Quando
terminou a sua obra-prima, olhou-a com espanto ao perceber que era o rosto que
ele sempre procurara em todos os espelhos.
Era
realmente um rosto extraordinário!
quinta-feira, 15 de junho de 2017
quarta-feira, 14 de junho de 2017
Linha do equador...
Françoise Nielly |
seria impossível
abraçar-te
(em hemisférios distintos)
haverá um tempo
um espaço
e um paralelo
neste silêncio compartilhado
a fronteira do que nunca se diz...
Maria José Meireles
terça-feira, 13 de junho de 2017
Pensamento do dia...
Maria José Meireles
segunda-feira, 12 de junho de 2017
quinta-feira, 8 de junho de 2017
Mãe
Mãe:
Que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?
Como as estátuas, que são gente nossa
Cansada de palavras e ternura,
Assim tu me pareces no teu leito.
Presença cinzelada em pedra dura,
Que não tem coração dentro do peito.
Chamo aos gritos por ti — não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio.
Mãe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!
Miguel Torga, in 'Diário IV'
quarta-feira, 7 de junho de 2017
sábado, 20 de maio de 2017
Amanhã adormeci...
Se o mundo acordado
pode ser medonho,
menina sorriso,
conta-me
uma estória
(a minha)
para que eu possa dormir
amanhã...
domingo, 30 de abril de 2017
Boa Sorte...
Cidra
era toda a sorte
que lhe cabia
no momento
em que ainda pensava
nela.
Maria José Meireles
segunda-feira, 24 de abril de 2017
domingo, 23 de abril de 2017
quarta-feira, 19 de abril de 2017
Só o amor me interessa
o amor de quem quer que seja
do que quer que seja
o amor de um pequeno objecto
o amor dos teus olhos
o amor da liberdade
o estar à janela amando o trajecto voado
das pombas na tarde calma
nesta fase em que o amor é a música de rádio
que atravessa os quintais
e a criança que corre para casa
com um pão debaixo do braço
nesta fase em que o amor é não ler os jornais
podes vir podes vir em qualquer caravela
ou numa nuvem ou a pé pelas ruas
- aqui está uma janela acolá voam as pombas -
podes vir e sentar-te a falar com as pálpebras
pôr a mão sob o rosto e encher-te de luz
porque o amor meu amor é este equilíbrio
esta serenidade de coração e árvores
Egito Gonçalves (1920-2001)
in: Antologia Poética
quinta-feira, 13 de abril de 2017
Burrinha...
domingo, 9 de abril de 2017
sábado, 8 de abril de 2017
O livro sobre nada
quinta-feira, 6 de abril de 2017
quinta-feira, 30 de março de 2017
Motivo
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
Cecília Meireles
Pensamento do dia...
David Meireles
quarta-feira, 29 de março de 2017
Intimidade...
Quando estranhaste
dizer-me
e nem sabias
a intimidade
retirei-me em silêncio
antes que fosse tarde de mais.
Maria José Meireles
Pensamento do dia...
segunda-feira, 27 de março de 2017
Se houvesse degraus na terra...
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.
Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,
levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.
Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã.
domingo, 26 de março de 2017
sábado, 25 de março de 2017
sexta-feira, 24 de março de 2017
quarta-feira, 22 de março de 2017
Nova casa...
Moro
numa casa
com arquitectura
engraçada
a perfeita
inexistência
que ninguém quer
habitar.
Maria José Meireles
terça-feira, 21 de março de 2017
segunda-feira, 20 de março de 2017
domingo, 19 de março de 2017
Se me aproximar - Tiago Bettencourt e Márcia
sábado, 18 de março de 2017
segunda-feira, 13 de março de 2017
Cala os olhos, vagabundo.
que há estradas no mundo
sem urtigas.
Não me contes
que nascem astros nos vales
para além dos horizontes.
Não me fales
de haver poentes
com as cores ardentes
das penas dum galo.
Não me tentes,
vagabundo.
Não quero ver o mundo.
Prefiro imaginá-lo.